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Agenciamento (em francês: agencement) é um conceito filosófico criado por Gilles Deleuze e Félix Guattari desenvolvido principalmente no livro Kafka: por uma literatura menor (1975), mas já mencionado em O anti-Édipo (1972). O agenciamento está relacionado à teoria das multiplicidades, que está presente na própria obra de Deleuze desde o livro Diferença e Repetição (1968).[1]
Para Deleuze, a filosofia nunca remete ao acaso ou à pura contemplação, mas a uma criação real de conceitos. Ou seja, o próprio conceito filosófico deve ser entendido como uma ruptura no modo do acontecimento que transforma o sentido dos termos que este compõe e pelos quais é composto. Qualquer conceito criado, assim como qualquer evento, constitui sua própria temporalidade e estabelece uma diferença entre um antes e um depois.[2] Deleuze argumenta que, depois de Kant, o conceito de tempo nunca mais terá o mesmo significado. Porém, se a criação de um conceito resulta de um devir imprevisível e não aleatório, este deve responder a uma demanda, isto é, deve responder a um problema que, no entanto, nunca se esgota. A hipótese de Deleuze é de que a história da filosofia é expressada como uma "geofilosofia",[3] uma vasta coexistência como no modelo geológico de estratos em afloramento, de todas as filosofias como planos constituídos por tentativas de elucidações conceituais.
O conceito de agenciamento está associado ao conceito de "máquina" e ambos foram criados por Deleuze e Guattari como uma crítica à psicanálise, especialmente à estrutura moldada pelo senso comum da representação presente nos textos psicanalíticos clássicos.[4] O próprio funcionamento da representação consiste em totalizar o que é apresentado, nas formas que preexistem à sua apresentação: "A apresentação reimplica uma recuperação ativa do que é apresentado, portanto, de uma atividade e uma unidade que se distinguem da passividade e da diversidade específica comparados à sensibilidade".[5]
Em outras palavras, a representação é a síntese de um elemento singular e de um conteúdo mental que tem uma extensão mais ampla do que ela mesma e na qual figura como parte. Portanto, Deleuze defende que a representação falseia o real ao reduzir as multiplicidades dos sujeitos a categorias tão amplas que são incapazes de considerar suas singularidades. Desse modo,o que é apresentado por analogia com o que já foi apresentado e neutralizamos a novidade do que vem a ser. "Outras coisas, ao contrário, nos forçam a pensar: não mais objetos reconhecíveis, mas coisas que violentam, signos encontrados."[6] O verdadeiro pensamento é, portanto, exercido apenas na renúncia ao julgamento sobre o que se apresenta como hecceidade, isto é, como singularidade irredutível.
A crítica dirigida à psicanálise argumenta que a redução dos sintomas psicopatológicos dão origem a formas gerais, exprimidos na figura do Édipo: "Toda a produção desejante é então esmagada, assentada sobre as imagens dos pais, alinhada em estados pré-edipianos, totalizada no Édipo: a lógica dos objetos parciais é reduzida a nada. Édipo se torna, assim, a pedra de toque da lógica".[7] Como em qualquer estrutura jurídica, a psicanálise se transforma em um mecanismo coercitivo que rejeita a diferença em prol do recalcamento, impedindo o livre desenvolvimento das multiplicidades: "Diga que é Édipo, caso contrário levará uma bofetada".[8] Portanto, na psicanálise é sempre o abstrato — a categoria formal, o julgamento, a representação ideal — que explica o concreto. De modo oposto, o agenciamento da esquizoanálise leva em consideração os processos concretos e materiais que incidem na criação de desejos. É aqui que a produção desejante e os processos maquínicos entram:
O recalcamento propriamente dito é um meio a serviço da repressão. E aquilo sobre o que ele incide, a produção desejante, é também objeto da repressão. Mas, justamente, o recalcamento implica uma dupla operação original: uma, pela qual a formação social repressiva delega o seu poder a uma instância recalcante; e outra, pela qual, correlativamente, o desejo reprimido é como que recoberto pela imagem deslocada e falsificada que o recalcamento suscita.[9]
O agenciamento é o conjunto de condições singulares que operam na produção de um tipo de realidade paralela submetida a coordenadas espaço-tempo e históricas bem delimitadas.[10] Em vez de reduzir os sujeitos a uma espécie de indivíduo inserido numa realidade preexistente (como no teatro do Édipo), deve-se retornar às condições de gênese dessa realidade, aos elementos materiais e ao contexto semântico de sua criação. O agenciamento é uma criação própria, isto é, um conceito que sempre gera novas necessidades e define novos campos de problematização.
Assim, a respeito do desejo, Deleuze diz: "Pretendíamos propor um novo conceito de desejo [...] Queríamos dizer a coisa mais simples do mundo: que até agora vocês falaram abstratamente do desejo, pois extraem um objeto que é, supostamente, objeto de seu desejo [...] Nunca desejo algo sozinho, desejo bem mais, também não desejo um conjunto, desejo em um conjunto".[11] Em outras palavras, todo desejo se forma em agenciamentos, ou seja, em uma multiplicidade de singularidades materiais: "Desejar é construir um agenciamento, construir um conjunto, conjunto de uma saia, de um raio de sol".[11]
Também se trata dos agenciamentos de poder que, segundo Deleuze, podem produzir sujeitos e organizar os fluxos desejantes destes para identificá-los e dar-lhes uma subjetividade: "Não há agenciamento mecânico que não seja um agenciamento social, nem agenciamento social que não seja um agenciamento coletivo de enunciação". Em outras palavras, os agenciamentos sociais produzem contextos e máquinas que, por sua vez, produzem subjetividades e criam desejo.
O agenciamento, na obra de Deleuze e Guattari, é considerado o precursor do conceito de rizoma, este definido como uma multiplicidade que produz individualizações contextuais.
Em seu aspecto material ou maquínico, um agenciamento não nos parece remeter a uma produção de bens, mas a um estado preciso de mistura de corpos em uma sociedade, compreendendo todas as atrações e repulsões, as simpatias e as antipatias, as alterações, as alianças, as penetrações e expansões que afetam os corpos de todos os tipos, uns em relação aos outros.