Etnoficção refere-se especificamente a uma docuficção etnográfica, uma mistura de documentário e de ficção na área da antropologia visual. Refere-se a um filme cujas personagens, nativos, recorrendo a uma narrativa ficcionada ou à pura imaginação, muitas vezes improvisando, desempenham o seu próprio papel como membros de um grupo étnico ou social. O termo é usado em antropologia visual, enquanto etnografia e tem por objecto de estudo mais a etnia que o indivíduo que a representa.
Jean Rouch é considerado como o pai da etnoficção. Etnólogo, apaixonado pelo cinema, cedo descobre que, forçada a intervir no evento que regista (o ritual), a máquina de filmar torna-se participante. Exigir na pesquisa etnográfica uma câmara não participante, como Marcel Griaule[1], seu mestre, preconizava é um preconceito que a prática contradiz. Avançando mais na pesquisa que os seus precursores, Jean Rouch introduz nela o actor, enquanto ferramenta científica. Nasce um novo género de cinema[2].
Referindo-se sobretudo a filmes do domínio da etnologia enquanto antropologia visual, o termo etnoficção[3] também serve para designar filmes documentários artísticos, de longa tradição, que precedem e sucedem Rouch. O termo pode também ser usado, num sentido mais geral, para designar qualquer obra de ficção na comunicação humana, na arte ou na literatura, com base etnográfica ou social.
Na linha de Robert Flaherty e de Jean Rouch, representações cinematográficas de duras realidades locais surgem em Portugal a partir dos anos trinta. Têm particular incidência nos anos sessenta e setenta[4], prosseguem na década de oitenta e mantêm-se presentes nos primeiros anos do século XXI, nos filmes de Flora Gomes, Pedro Costa[5][6] ou de Daniel E. Thorbecke, o autor desconhecido de Terra Longe.
Fazer surgir a ficção no coração da etnicidade é prática corrente nas narrativas populares portuguesas (literatura oral). Será assim fácil entender por que motivo, devido à atracção tradicional pelo imaginário surrealista e pela lenda, certos filmes portugueses, como os de Manoel de Oliveira e de João César Monteiro ou como os híbridos de António Campos, de António Reis e de Ricardo Costa[7][8][9] se libertam de predicados realistas e se tornam ficções poéticas. Desde os anos sessenta que a etnoficção (vida real e ficção num só) se torna um traço distintivo do cinema português.
Em balanço sumário, destaca-se o tema transmontano nos filmes dos anos sessenta. O tema africano surge a meio dos anos noventa e prossegue depois, nos filmes de Flora Gomes, de Pedro Costa e de Daniel E. Thorbecke.
Pode deduzir-se, por outro lado, que as cinematografias portuguesa e de expressão portuguesa se distinguem por esse tema, que lhe dá voz no mundo do cinema, como a da Cesária Évora no da música. Certas "etnias" brasileiras serão também ficcionadas: as gentes das favelas e os transexuais.