Forte de São João de Bertioga | |||||||||||||||
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Vista geral do Forte de São João de Bertioga | |||||||||||||||
Construção | João III de Portugal (1550-1560) | ||||||||||||||
Estilo | Arquitetura militar | ||||||||||||||
Conservação | Bom | ||||||||||||||
Aberto ao público | |||||||||||||||
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O Forte São João de Bertioga, que até o século XVIII era chamado de Forte São Tiago, é a primeira fortificação construída no Brasil, em 1560, por ordem do Rei de Portugal. Anteriormente, outras estruturas existiram no mesmo local. Em 1531 Martim Afonso de Sousa teria ordenado a instalação da "Torre da Bertioga", como explica Frei Gaspar da Madre de Deus. Em 1547 foi erguida a paliçada (caiçara) de Diogo de Braga e seus filhos, destruída em 1551 em um ataque do Povo Tupinambá, defende Victor Mori[1]. Localiza-se na barra de Bertioga, em terra continental, fronteiro à ilha de Santo Amaro, no litoral do estado brasileiro de São Paulo, no extremo oposto da Fortaleza de São Felipe, no Guarujá, com a qual cruzava fogos, protegendo o acesso do canal do “Rio Bertioga”.[2] A fortificação sofreu uma série de reformas ao longo do tempo, sobretudo no século XVIII, e a última das quais em 2001, das quais resulta a edificação atual. O espaço presentemente funciona como equipamento cultural, sendo desde 2014 rodeado pelo Parque dos Tupiniquins.
A necessidade da existência de uma fortificação que dominasse a barra ocidental do canal da Bertioga começa a fazer-se sentir após a fundação da vila de São Vicente por Martim Afonso de Sousa, em 1532, por ser esta via usual de ataque de tupinambás em canoas, oriundos de Iperoig (Ubatuba), e da ilha de São Sebastião.[3] De acordo com Frei Gaspar da Madre de Deus, Martim Afonso de Sousa teria entrado pela barra da Bertioga, mandando erguer uma trincheira na ponta sul, onde teria deixado pequena guarnição.[4]
Poucos anos depois já se tornara evidente a necessidade de fortificação da costa naquela região.[5] A 12 de maio de 1548, Luís de Góis escreve a D. João III, avisando-o que se com tempo e brevidade vosa Alteza nam socorre a estas capitanias [de Santos e São Vicente] e Costa do Brasill, com braço forte, se perderiam muitas almas christaãs que soo nesta capitania antre homens e molheres E mininos a mais de seiscentas almas, E de Escravaria mais de tres mil. Refere ainda seis Emgenhos, E muita fazenda que nela se pode perder afora muita que he guastada[6]
Hans Staden, na sua segunda viagem à costa do Brasil, entre 1550 e 1555, descreve deste modo a sua construção e destruição:[7]
Esta passagem queriam alguns mamelucos, descendentes de índios e cristãos, impossibilitar aos tupinambás. Eram cinco irmãos. Seu pai era um português, sua mãe uma índia brasileira. Eram cristãos, igualmente hábeis e experientes na arte guerreira tanto destes, como dos selvagens, dominando ambas as línguas. O mais velho chamava-se João de Braga, eram seus irmãos: Diogo, Domingos, Francisco e André de Braga, e seu pai era Diogo de Braga. Cerca de dois anos antes da minha chegada [c. 1548], haviam resolvido estes cinco irmãos, com tupiniquins amigos, construir em Bertioga, à maneira dos selvagens, um forte para defesa contra os adversários e realizaram a sua ideia. Também alguns portugueses com eles se estabeleceram, pois a terra era boa.Seus inimigos, os tupinambá, cuja fronteira fica mais ou menos a vinte e cinco milhas distante de Bertioga, observaram isto e armaram-se. Uma noite vieram em setenta canoas e atacaram, segundo seu costume, às primeiras horas da madrugada. Os mamelucos e portugueses retiraram-se em uma casa de barro e defenderam-se. Os índios porém permaneceram juntos em suas choças e aí resistiram como lhes foi possível, de sorte que muitos atacantes tombaram. Afinal os tupinambás venceram. Incendiaram a povoação de Bertioga e fizeram prisioneiros todos os selvagens. Mas aos cristãos - deviam ser oito - e aos mamalucos, nada puderam fazer-lhes na casa, pois Deus quis protegê-los.
Os agressores retiraram-se para sua terra logo após terem matado e esquartejado os prisioneiros.
Este estabelecimento se constituía, assim, de um aldeamento paliçado ao modo indígena, dominado por uma casa-forte de faxina, em madeira e taipa de pilão, também denominado Casa-forte da Bertioga.[8]
Staden conclui:[9]
Depois destes sucessos, pareceu conveniente aos comandantes e à Câmara [Municipal], não abandonar o lugarejo mas fortificá-lo o máximo possível, porque de lá se podia defender toda a região. E assim aconteceu.
A 18 de janeiro de 1550, Tomé de Sousa, primeiro governador-geral do Brasil, então em Salvador da Bahia, confia a António Adorno a alcaidaria-mor da Fortaleza da Britogua, na Capitania de São Vicente, nomeando-o almoxarife da villa da Britroga, e dos Armazens, Artilharia della, com o qual Officio não haverá Ordenado algum porquanto elle o não quis. No mesmo documento refere Provisão Régia de D. João III, ordenando que na dita Fortaleza haja moradores, que a povoem, com que possa estar segura, dentre os quais seria escolhido o almoxarife das suas obras, e seu armazém e artilharia.[10]
Por Provisão-Régia de 18 de junho de 1551, foi determinado erguer-se uma fortificação no local, destinando-lhe, para esse fim, uma verba de 3.000 cruzados.[11] O primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, que exerceu esse cargo entre 1549 e 1553, em visita à capitania de São Vicente no início de 1553, aí fez estabelecer uma povoação. Na carta ao rei de Portugal, onde justifica ter tido medo de desfazer a vila de São Vicente, informa ter mandado erguer mais três, e entre elas "(...) a Bertioga que Vossa Alteza mandou fazer, que está cinco léguas de São Vicente, na boca do rio por onde os índios lhe faziam muito mal.".[12]
O bispo da Bahia confirmou, a 22 de dezembro de 1555, na "vigairaria da igreja de São Tiago, da vila da Bertioga, da Capitania de São Vicente" ao padre Fernão Luís Carapeto.[13]
Quando o forte foi concluído em 1560, a região era palco de conflitos incessantes, tanto entre portugueses e tamoios, como causados pela conversão dos maramomis e a expulsão dos franceses do Rio de Janeiro, ocorrida entre 1565 e 1567. Esta primeira fortificação permanente constituia‐se de um “baluarte de pedra”, com guaritas angulares direcionadas para as águas, semelhante ao forte atual.[2]
No contexto da chamada Revolta dos Tamoios, os padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta partiram de Santos em 1563 com destino a Iperoig, com a missão de tentar pacificar os índios. A expedição fez escala em Bertioga, onde foi celebrada missa na capela do Forte de São Tiago. Dois anos mais tarde, a 27 de janeiro de 1565, coube ao padre Manuel da Nóbrega rezar missa na mesma capela, e dar a bênção aos expedicionários sob o comando de Estácio de Sá, que dali partiam para expulsar os franceses estabelecidos na baía de Guanabara. O episódio encontra-se retratado na pintura histórica "Partida de Estácio de Sá", de autoria de Benedito Calixto, que atualmente se encontra no Palácio São Joaquim, na cidade do Rio de Janeiro.
A fortificação encontra-se cartografada por Luís Teixeira no seu Mapa de São Vicente, datado de cerca de 1573.[14]
O primitivo Fortim de São Tiago foi reconstruído, ao final do século XVII, em alvenaria de pedra e cal, tendo as suas obras definitivas sido concluídas em 1710, quando se encontrava artilhado com onze peças.[15] O desenho da sua planta apresentava o formato de um polígono retangular com guaritas nos vértices. O governador e capitão-general da capitania de São Paulo, D. Rodrigo César de Meneses, informava:[16]
Como pelo tempo adiante poderá o porto da Vila de Santos ser mais bem visto das Nações Estrangeiras e de piratas, aumentando-se nele o comércio, pelas boas esperanças que nesta Capitania há de novos descobrimentos [minerais], procurei por na última perfeição a fortaleza da barra da Bertioga, da mesma Vila, e me parece foi a obra que se lhe fez de muita conveniência a Real Fazenda de V. Majestade, porque, gastando-se com ela de três em três anos muito perto de quinhentos mil réis com madeiras e estacarias, ultimamente se fez de pedra e cal, com muita regularidade e tudo o mais necessário para a sua boa defesa por um conto setecentos e setenta mil réis; (...)
Em 1751 o então governador da praça de Santos, Luís Antônio de Sá Queiroga, fez reedificar o forte. Na ocasião, o modesto terrapleno quinhentista com uma área de 100 metros quadrados foi demolido, para dar lugar ao atual, com 250 metros quadrados. A tenalha, a norte, foi elevada para nove palmos de altura e complementada por uma estacada paralela, e o edifício do quartel, reformado.[17]
O forte recebeu nova artilharia em 1760. No governo da capitania de São Paulo pelo capitão-general D. Luís António de Sousa Botelho Mourão - quarto morgado de Mateus (1765-1775), dentro do contexto das obras de recuperação da Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, quando foi levantada a Bateria da praia do Góis (1765 e 1766, respectivamente), o Forte de São Tiago foi reformado a partir de 1765, cruzando fogos com o Forte de São Luís da Armação.
Por volta de 1769, uma forte ressaca marinha destruiu parte do terrapleno do forte, deslocando em aproximadamente 25 centímetros a guarita e a cortina. Esse fenómeno terá destruído também a capela São João localizada na praia, vizinha ao forte. Tendo a imagem da capela sido recolhida ao forte, este passou a denominar-se Forte de São João da Bertioga. À época, por exercer as funções de registro das embarcações que demandavam o porto de Santos, era também denominado como Forte do Registro. Em Relatório à Coroa Portuguesa, acerca das fortificações da Capitania, datado de 30 de junho de 1770, aquele governador informou que esta praça estava artilhada com onze peças:[18] seis de calibre 8, duas de 6, uma de 4 libras de bala e dois pedreiros de bronze.[15]
Um relatório manuscrito descreve o estado da fortificação, ao final do século XVIII:[19]
A Fortaleza da Bertioga tem sete peças, todas desmontadas, e acho que só duas poderão dar fogo; o quartel está arruinado e por ser muito úmido não pode conservar um só barril de pólvora, e nem tem parte onde se lhe possa fazer cômodo para o ter sem grande risco. Nesta fortaleza por força a artilharia há de estar ao tempo e por isso precisa que o carretame seja pintado para lhe poder resistir. Este reduto não tem vantagem alguma mais do que servir de registro na ponta da terra firme, porque ali não defende a entrada da barra e logo que qualquer embarcação entre da barra para dentro tem muito onde fazer desembarque e no caso de a quererem tomar (que não tem necessidade disso) quaisquer 40 ou 50 homens a tomam.
No século seguinte, no Relatório de 1817 do 2º Tenente de Engenheiros Rufino José Felizardo e Couto ao governador e capitão-general da Província de São Paulo, Francisco de Assis Mascarenhas - conde da Palma -, encontra-se relacionada a artilharia da praça:
Data deste momento a reforma que lhe alterou o telhado do edifício dos quartéis de duas para quatro águas, sendo acrescentada uma cozinha e uma despensa.
Um outro Relatório, em 1830, do marechal Daniel Pedro Müller, informa que a sua guarnição em tempo de paz era de três homens, e, em tempo de guerra, compunha-se de um oficial superior, um inferior, e vinte soldados de infantaria.[20] O Mapa das Fortificações do Ministério da Guerra de 1847 atribui-lhe apenas seis peças, encontrando-se arruinado em 1885.[21]
O conjunto passou para o Ministério da Indústria,[22] que nele instalou um posto semafórico. Na gestão do Dr. Washington Luis na presidência do governo do estado de São Paulo, foi restaurado como Monumento Histórico (1920),[15] para ser tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1940.
No contexto da Segunda Guerra Mundial serviu como quartel para os pelotões de vigilância dos 4° e 6° Batalhões de Caçadores do Exército Brasileiro. Entre os anos de 1944 e 1954, serviu de aquartelamento ao destacamento subordinado à Praça Militar de Santos. O forte foi totalmente restaurado a partir de 1945 pela Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sendo erguida uma residência com três quartos para o zelador do forte. Em 1960 passou para a guarda do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga (IHGGB), que ali instalou o Museu João Ramalho.
Em 1996 devido à falta de infra-estrutura e à precariedade de suas condições, o IPHAN retomou a posse do forte, encerrando-o ao público e iniciando-lhe uma intervenção de conservação e restauro. Os trabalhos basearam-se no projeto do engenheiro Rufino José Felizardo e Costa, datado de 1817, sendo demolindo o telhado da casa do zelador e devolvendo-a ao aspecto que possuía naquela época.[23] Desse modo, em meados de 2001 encontrava-se totalmente reformado, contando atualmente com salas temáticas, exposição de armas e armaduras, exposições itinerantes e visitas monitoradas.
No ano de 2004, durante as comemorações da IV Festa Nacional do Índio, foi inaugurado, em seu entorno, o Parque dos Tupiniquins.