Hamadã Carmate ibne Alaxate | |
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Nascimento | século IX |
Morte | 899 ou depois |
Ocupação | Líder religioso |
Hamadã Carmate ibne Alaxate (em árabe: حمدان قرمط بن الأشعث; romaniz.: Ḥam(a)dān Qarmaṭ ibn al-Ashʿath; ca. 874-899) foi o fundador da seita carmata do ismailismo. Originalmente o principal missionário ismailita (dai) no baixo Iraque, em 899 cindiu com a liderança do movimento em Salamia depois de ter sido assumida por Abedalá (futuro primeiro califa fatímida) e partiu com seus seguidores. Hamadã então desapareceu, mas seus seguidores continuaram existindo no deserto da Síria e no Barém (Arábia Oriental) por várias décadas.
Os primeiros anos de Hamadã são desconhecidos, exceto que viveu na vila de Aldur, no distrito de Furate Badacla, a leste de Cufa. Era originalmente transportador (de mercadorias com bois) e entra no registro histórico com sua conversão ao ismailismo pelo missionário (dai) Huceine Alauazi em 261 A.H. (874/5 E.C.) ou por volta de 264 A.H. (877/878 E.C.). [1][2] Seu sobrenome "Carmate" é quiçá aramaico. Várias formas e significados são registrados nas fontes: segundo Tabari, seu nome era Carmita (Karmītah), "olhos vermelhos"; já Naubaqueti e Nizã Almulque fornecem o diminuto Carmatuia (Qarmāṭūya); outros sugerem que seu nome significava "pernas curtas".[3] É tradicionalmente considerado que os seus seguidores foram nomeados Caramita (singular Carmati), "homens de Carmate", em sua honra.[1] No entanto, o estudioso xiita Alfadle ibne Xadã, que morreu em 873/4, havia escrito uma refutação das doutrinas carmatas, o que significa que Hamadã havia se tornado ativo antes disso ou, alternativamente, tirou seu sobrenome da seita, ao invés do contrário.[4][5]
O dai Huceine Alauazi havia sido enviado pela liderança ismailita em Salamia e, quando morreu (ou deixou a área), Hamadã assumiu a liderança da missão nos arredores rurais (Sauade) de Cufa e sul do Iraque. Logo mudou sua residência à cidade de Caluada, ao sul de Bagdá, e rapidamente conquistou muitos novos convertidos entre os camponeses e beduínos.[1] Seu sucesso foi auxiliado pelo caos da Revolta Zanje que tomou conta do Iraque, pela fraqueza do Califado Abássida e a insatisfação de adeptos do xiismo duodecimano com o quietismo político de sua liderança, o vácuo deixado pela morte do décimo primeiro imame Haçane Alascari e a "ocultação" do décimo segundo imã, Maomé Mádi, em 874. Nesse clima, o milenarismo dos ismailitas, que pregavam o retorno iminente do messias ou mádi, era muito atraente aos insatisfeitos xiitas.[4]
Seu discípulo e assessor mais notório foi seu cunhado Abu Maomé Abadã, que "desfrutou de alto grau de independência" (Daftary) e nomeou seus dais no Iraque, Barém (Arábia Oriental) e sul da Pérsia.[4] Entre aqueles treinados e enviados como dais por Hamadã e Abadã estavam Abuçaíde Aljanabi (Pérsia e Barém), ibne Hauxabe, Ali ibne Alfadle (ao Iêmem) e Abu Abedalá Alxii, que mais tarde ajudou a converter os cotamas na Ifríquia e abriu caminho ao estabelecimento do Califado Fatímida. De acordo com o heresiólogo sunita do século XI Abu Almançor de Bagdá, Almamune, um dai ativo no sul da Pérsia, era irmão de Hamadã.[6]
Os agentes de Hamadã coletavam impostos dos convertidos, incluindo um quinto de todos os rendimentos, a serem reservados ao mádi.[1] Embora Hamadã se correspondesse ao grupo de Salamia, sua identidade permaneceu em segredo, e Hamadã conseguiu seguir sua própria política localmente. Assim, em 880, seus números eram grandes o suficiente para abrir uma aliança com o líder dos zanjes, Ali ibne Maomé, que rejeitou a oferta.[4] Em 890/891, Hamadã estabeleceu refúgio fortificado (dār al-hijra) para seus apoiadores perto de Cufa.[7] Por vários anos, após a supressão da Revolta Zanje em 883, a autoridade abássida não foi firmemente restabelecida no Sauade. Somente em 891/892, os relatos de Cufa denunciando essa "nova religião" e os relatos sobre a crescente atividade carmata começaram a causar preocupação em Bagdá. No entanto, nenhuma ação foi tomada contra eles no momento. Como esse grupo foi o primeiro a chamar a atenção das autoridades abássidas, o rótulo de "carmatas" logo passou a ser aplicado às populações ismailitas que não eram convertidas por Hamadã.[1][8]
Nenhuma informação direta sobre a doutrina pregada por Hamadã e Abadã é conhecida, mas estudiosos modernos como Farhad Daftary consideram que tenha sido, com toda a certeza, a mesma propagada na época por Salamia e descrita em escritos de Naubaqueti e ibne Babauai.[9] Em essência, anunciaram o retorno iminente do sétimo imã, Maomé ibne Ismail como o mádi e, portanto, o início de uma nova era da justiça; o mádi proclamaria uma nova lei, substituindo o islã, e revelaria as verdades "ocultas" ou "internas" (bāṭin) da religião a seus seguidores. Até então, esse conhecimento era restrito, e somente aqueles iniciados na doutrina podiam acessar parte dele. Como resultado dessas crenças, os carmatas frequentemente abandonavam a lei e o ritual islâmicos tradicionais. Fontes islâmicas tradicionais coetâneas afirmam que isso levou a um comportamento lascivo entre eles, mas isso não é confiável, dada a sua posição hostil em relação aos carmatas.[1]
Em 899, após a morte do líder anterior da seita em Salamia, Abedalá, o futuro fundador do Califado Fatímida, tornou-se o líder. Logo, começou a fazer alterações na doutrina, o que preocupava Hamadã. Abadã foi a Salamia para investigar o assunto, e soube que Abedalá alegou que o esperado mádi não era Maomé ibne Ismail, mas Abedalá. Isso causou grande brecha no movimento, quando Hamadã denunciou a liderança em Salamia, reuniu os dais iraquianos e ordenou que cessassem o esforço missionário. Logo após, "desapareceu" de sua sede em Caluada.[10][11] O escritor anti-ismailita do século XIII, ibne Maleque, relata informações pouco credíveis de que foi morto em Bagdá,[1] e ibne Haucal, que escreveu nos anos 970, afirma que se reconciliou com Abedalá e se tornou um dai pela causa fatímida sob o nome de Abu Ali Haçane ibne Amade. Segundo Wilferd Madelung, dadas as simpatias fatímidas de ibne Haucal e a amizade com o filho de Abu Ali, "suas informações podem muito bem ser confiáveis".[6][12]
Abu Ali Haçane reivindicou descendência de Muslim ibne Acil ibne Abi Talibe e se firmou em Fostate, capital do Egito. A partir daí, tentou recuperar o apoio de seus ex-seguidores, mas os do Iraque e Barém recusaram; ibne Hauxabe no Iêmem e Abu Abedalá Alxii na Ifríquia, no entanto, aceitaram sua autoridade e o usaram como intermediário com Abedalá em Salamia. Quando Abedalá fugiu da Síria e passou um ano em Fostate em 904/905, Abu Ali foi responsável por sua segurança. Após o estabelecimento do Califado Fatímida em 909, Abu Ali visitou Abedalá na Ifríquia e foi enviado para espalhar o Islã na Ásia Menor sob controle do Império Bizantino, onde foi capturado e preso por cinco anos. Após sua libertação, retornou à Ifríquia, onde o filho e herdeiro de Abedalá, Alcaim Biamir Alá (r. 934–946), o nomeou dai chefe, com o título "Portão dos Portões" (bāb al-abwāb).[a] Nessa posição, compôs trabalhos explicando a doutrina fatímida; no Ummahāt al-Islām, refutou o uso da filosofia entre os ismailitas orientais antifatímidas (inclusive nos ensinamentos de Abadã) e, em vez disso, "afirmou a primazia do princípio de taʾwil, a interpretação esotérica, no ensino religioso ismailita". Morreu em 933 e seu filho Alboácem Maomé o sucedeu como principal dai.[6]
Após o desaparecimento de Hamadã, o termo "carmatas" foi retido por todos os ismailitas que se recusaram a reconhecer as reivindicações de Abedalá e, posteriormente, da dinastia fatímida. Às vezes, também era aplicado por não-ismailitas num sentido pejorativo aos apoiadores dos fatímidas também.[5] Abadã foi assassinado no mesmo ano por instigação de Zacarauai ibne Mirauai, aparentemente por instruções de Salamia.[11] Os seguidores de Hamadã e Abadã ameaçaram matar Zacarauai, que foi forçado a se esconder.[14] Os dais designados por Abadã retomaram seu trabalho, denunciando as reivindicações de Abedalá em Salamia e continuando o movimento carmata, embora Abadã fosse frequentemente citado como a fonte de seus trabalhos religiosos e filosóficos.[15] Um movimento carmata (os chamados baclias) sobreviveu no baixo Iraque por várias décadas depois, com seus ensinamentos atribuídos em grande parte a Abadã.[12]
No deserto da Síria e no baixo Iraque, Zacarauai logo assumiu a iniciativa, a princípio secretamente. Por meio de seus filhos, patrocinou grande revolta na Síria 902–903, que foi encerrada na batalha de Hama em novembro de 903; embora provavelmente tenha sido projetada para provocar uma revolução pró-fatímida, a reação abássida em larga escala que precipitou e a atenção que trouxe sobre ele forçaram Abedalá a abandonar Salamia rumo ao Magrebe, onde fundaria o Estado fatímida na Ifríquia. O próprio Zacarauai apareceu em 906, alegando ser o mádi, para liderar os últimos ataques carmatas aos abássidas no Iraque, antes de ser derrotado e capturado no início do ano seguinte.[16][17] Os carmatas tiveram mais sucesso no Barém, onde Abuçaíde Aljanabi, enviado à região c. 886/887, por Hamadã e Abadã, fundou um Estado carmata independente que se tornou uma grande ameaça aos abássidas no século X.[18] Outros grupos carmatas existiram independentemente no Iêmem, Rei e Coração.[19]