História pré-colonial de Angola

Não existe consenso relativamente à periodização da história angolana devido às grandes discrepâncias no desenrolar de eventos de várias partes do país. Não obstante, pode-se convencionalmente admitir que a história pré-colonial de Angola é o período até 1575, ano em que o português Paulo Dias de Novais chega a Luanda e aí estabelece uma colónia.[1][2]

Antes do contacto com Europeus

[editar | editar código-fonte]

Acredita-se que os primeiros habitantes da região da atual Angola tenham sido caçadores-coletores Khoisan, que utilizavam a azagaia e alguns instrumentos de caça, mas não tinham quaisquer conhecimentos de agricultura.[2][3]

Nalgum momento depois do século IX, a grande migração banta terá alcançado o atual território de Angola e, perante os dóceis khoisan, os vários rapidamente dominaram a região. Por volta do século XIII, os povos bantus que chegavam já sabiam trabalhar o ferro e praticavam o cultivo da banana,[3] e estas técnicas espalharam-se eventualmente por todo o território.[2]

Entre os bantus, um dos povos que se destacava eram os Dongo,[2] que faziam parte dos Ambundos, que ocupavam a região do baixo Cuanza e do médio Cuango. Os Dongo estavam rodeados por dois outros povos Ambundus, com quem tiveram alguns conflitos: os Pende a nordeste e os Libolo a sul.[4]

Por volta do século XIV, os Dongo começaram a usar símbolos religiosos de ferro chamados "ngola", cuja importância cresceu exponencialmente, assim como as dos seus guardiões. Com tempo, formaram-se hierarquias em cada aldeia e, posteriormente, por todo o território Dongo, surgindo o título de ngola a kiluanje no topo da hierarquia.[4]

Outro povo do norte de Angola era os Lunda, governados por anciões chamados "tubungu". Eles tinham um sistema de títulos bastante desenvolvido passados ao longo das gerações, o que levou a alguns conflitos internos, mas eventualmente, por volta dos séculos XIV ou XV, os Lueji tomaram poder aos Kinguri, um evento imortalizado nos contos lendários do caçador Chibinda Ilunga. O poder dos Lunda começou a expandir-se e o chefe do Reino Lunda ganhou então o título mwata yamvo.[4]

Nos inícios do século XVI, os Kinguri exilados tinham influenciado outros povos e adquirido um poderia militar significante e, quando entraram em contacto com os Ambundu, surgiu uma nova cultura que rejeitava os títulos antigos e privilegiava os líderes de guerra. A ditadura militar que se formava afastou alguns povos e, eventualmente, houve uma revolução que rejeitou a liderança dos Kinguri, dando supremacia aos Kasanje. Em meados do século, os apoiantes dos Kasanje tinham criado uma grande força militar conhecida como Imbangala, que não tinha nenhuma afiliação étnica e que rapidamente conquistou uma parte consideravelmente do território dos Ambundu, atingindo o Atlântico antes do final do século.[4]

A norte dos Ambundos, estavam os Congos, destacando-se o assentamento de M'banza Congo, que estava estrategicamente localizado entre florestas e prados, cujos recursos tinham levaram a um grande crescimento e criação de um reino à sua volta. No final do século XV, já os Soyo, um povo costeiro, estava conectado a M'banza Congo, a 160 km de distância.[4]

Durante os últimos séculos antes da chegada dos portugueses, o Planalto de Benguela era já ocupado pelos Ovimbundos, mas não estava ainda organizado em grandes reinos.[4]

Chegada dos Portugueses

[editar | editar código-fonte]

Até os anos 1480s não haveria tráfego marítimo na costa angolana, com exceção de uma outra canoa ou pequena embarcação piscatória; isto mudou com a chegada dos portugueses à foz do Rio Congo, a que eles chamaram Zaire,[4] em 1482, num expedição liderada por Diogo Cão. Eles estabeleceram contacto com os Soyo, e o seu rei revelou que prestava vassalagem ao reino do Congo. Diogo Cão teve então de participar numa troca ritualizada de reféns de elite: quatro frades franciscanos ficaram no Congo, enquanto um grupo de nobres regressou com Cão a Portugal. Eles conheceram Lisboa e foram colocados num mosteiro, onde aprenderam sobre a vida cristã. Três anos mais tarde, regressaram ao Congo com uma nova expedição de Diogo Cão, sendo finalmente convidados a visitar M'banza Congo.[3][5] Os portugueses entraram então em contacto com o soberano do Congo, Nzinga-a-Nkuvu, herdeiro legítimo do fundador Nimi-a-Lukeni.[2]

O objetivo primário seria encontrar riqueza mineral semelhante à da África Ocidental, mas só encontraram marfim e outras curiosidades exóticas. No entanto, com a criação da colónia de São Tomé nos anos 1490s e, mais tarde, do Brasil nos anos 1530s, Portugal começou a adquirir escravos do Reino do Congo para servir de mão de obra nas plantações, marcando o início do comércio atlântico de escravos.[4]

Formou-se uma grande aliança de Portugal com o Congo, tendo muitos africanos viajado até Portugal para aprender português. O apogeu de relações entre países deu-se nas primeiras décadas do século XVI, durante os reinados de Manuel I de Portugal e o Manicongo Nzinga Mbemba, rebatizado Afonso.[3] Um governador provincial na altura das expedições de Diogo Cão, Afonso I foi um dos reis do Congo que mais defendeu a aproximação com os portugueses e a cristianização, apreciando a medicina, escrita, armas e técnicas de carpintaria europeias. Apesar disso, estava lutou para que o comércio de escravos não ficasse descontrolado.[4][5]

Em 1519, o reino do Dongo, tributário do Congo, tinha também vontade de estabelecer relações com Portugal pediu a Afonso I do Congo para negociar com representes portugueses. Assim, em 1520, Portugal enviou a primeira expedição ao reino do Dongo, liderada por Balthasar de Castro. No entanto, os Dongo não ficaram satisfeitos com as ofertas dos portugueses e mantiveram Castro encarcerado durante seis anos, libertando-o apenas por intervenção do Congo.[3]

As tensões entre o Congo e o Dongo começaram a evidenciar-se devido à competição pelos lucros do tráfico negreiro. E a escassez de escravos no reino levou os chefes do Congo a atacar as zonas fronteiriças, tornando-se comum a venda de escravos Ambundu, do sul, e da região de Quinxassa, mais a norte. Apesar disso, havia também Ambundus que beneficiavam desta atividade, ora como intermediários para a sua venda no porto de Mpimba (o único porto oficial, onde eles eram taxados), ora vendendo escravos no porto ilegal de Luanda.[3][4]

Nos anos 1520s, já após a morte de Manuel I, Afonso I começava a ficar descontente com o comportamento dos portugueses no seu território e o crescimento do tráfico de escravos ilegais, que começava a levar ao despovoamento do reino. Escreveu várias cartas a João III de Portugal e ao papa a pedir ajuda a controlar a situação, mas as suas preocupações foram ignoradas.[5]

Após a morte de Afonso I, por volta de 1543, a sucessão do trono foi disputada por algum tempo, mas quando Nkubi a Mpundi (Diogo I) consolidou o seu poder, conseguiu governar durante 16 anos. Durante esse tempo, mais precisamente em 1555, Diogo I expulsou os jesuítas e fechou o porto de Mpinda ao comércio, que já expatriava mais de 12 mil escravos por ano.[2][4] Já em 1556, atacou o Dongo para reafirmar a sua autoridade, mas, no final, saiu derrotado na batalha de Dande. Temendo perder as vantagens das relações com os portugueses com esta vitória, o rei do Dongo Ngola Inene enviou um embaixador a Lisboa para pedir novamente representação oficial na sua corte. A resposta tardou, mas, em 1560, chegou ao Dongo uma expedição liderada por Paulo Dias de Novais. Ngola Ndambi, o sucessor de Inene, aceitou os presentes de Lisboa, mas recusou qualquer evangelização e prendeu Dias de Novais e três outros homens.[3]

Nos anos 1560s, depois da morte de Diogo I,[2] houve outro período de luta pelo poder no Congo, e o reino foi atacado pelos Jagas, que praticamente destruíram o reino em 1569, durante as chamadas Guerras Jaga. Os portugueses intervieram militarmente e cerca de 600 tropas foram enviados para restaurar Álvaro I ao trono de M'banza Congo,[4] mas a relação entre os reinos não voltou a ser a mesma e a influência europeia e cristã desapareceu pouco depois.[3]

Assim, em 1571, Sebastião I de Portugal concedeu a Dias de Novais, que tinha entretanto conquistado a liberdade, uma carta de doação que lhe dava o título de "Governador e Capitão-Mor do Reino de Sebastião na Conquista da Etiópia", dando início à colonização de Angola.[3]

Referências

  1. Henriques, Isabel Castro (2004). Território e Identidade a construção da Angola colonial. [S.l.]: Centro de História da Universidade de Lisboa. ISBN 9789729929823 
  2. a b c d e f g «História económico-social de Angola: do período pré-colonial à independência» (PDF). CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade. 1 de junho de 2018 
  3. a b c d e f g h i Henderson, Lawrence W. (1979). Angola : five centuries of conflict. [S.l.]: Cornell University Press. ISBN 978-0801412479 
  4. a b c d e f g h i j k l Oliver, Roland (1977). The Cambridge History of Africa. Volume 3: From c.1050 to c.1600. [S.l.]: Cambridge University Press. ISBN 9781139054577 
  5. a b c Fish, Becky; Fish, Bruce (2001). Exploration of Africa: Angola. [S.l.]: ‎ Chelsea House Publishers. ISBN 9780791061978