Abade Correia da Serra | |
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Abade Correia da Serra. | |
Nome completo | José Francisco Correia da Serra |
Nascimento | 6 de junho de 1751 Serpa, Portugal |
Morte | 11 de setembro de 1823 (72 anos) Caldas da Rainha, Portugal |
Nacionalidade | Português |
Ocupação | Cientista, diplomata, filósofo e polímata |
José Francisco Correia da Serra, FRS (Serpa, 6 de junho de 1751 — Caldas da Rainha, 11 de setembro de 1823), em 1775 ordenado presbítero, foi um cientista, diplomata, filósofo e polímata português.[1] Investigou designadamente nas áreas da botânica e geologia.[2] O género botânico Correa recebeu o seu nome. Tem uma biblioteca com o seu nome em Serpa.
Foi, com o Duque de Lafões, fundador da Academia das Ciências de Lisboa, efectivada com o aval de D.ª Maria I a 24 de Dezembro de 1779[1] e inaugurada já em 1780.[3]
De grande prestígio intelectual, conviveu com os grandes cientistas da sua época.[2] Publicou valiosos trabalhos nas mais conceituadas revistas. Tinha também uma grande convivência com o presidente americano da altura Thomas Jefferson,[2][4] que lhe terá chamado «o homem mais erudito que jamais conheci» (segundo Kenneth Maxwell na sua obra Naked Tropics – Essays On Empire And Other Rogues).[5]
Foi eleito membro da Royal Society em 1796.[6]
Filho do Dr. Luís Dias Correia, médico formado na Universidade de Coimbra, e de D. Francisca Paula Luísa de Leon, José Francisco Correia da Serra, com apenas 6 anos, muda-se com a família para Nápoles, a fim de escapar do acosso da Inquisição.[7]
Uma vez em Itália, terá estudado sob a orientação do mestre português Luís António Verney, dentro dos mesmos trâmites iluministas plasmados na sua obra, «O Verdadeiro Método de Estudar», assim como da do filósofo italiano Abade Antonio Genovesi.[3]
Na década de 70 do séc. XVIII, José Francisco Correia da Serra translada-se de Nápoles para Roma, a fim de completar a sua educação.[3] É em Roma que se licencia em direito canónico[2] e em que abraça a vida religiosa, tornando-se presbítero.[3]
É ainda em Roma que trava amizade com D. João de Bragança, Duque de Lafões, o qual conhecera o pai de José Francisco Correia da Serra, na sua juventude, quando ambos frequentaram a Universidade de Coimbra.[3]
Em 1778, José Francisco Correia da Serra, ora abade Correia da Serra, regressa a Portugal, sob o patrocínio do Duque de Lafões.[3] Um ano mais tarde, juntamente com o Duque, viriam a fundar a Academia das Ciências de Lisboa.[3]
Mercê de intrigas, fomentadas pela Inquisição e pelo intendente-geral da polícia, Pina Manique,[8] o Abade Correia da Serra ver-se-á obrigado a abandonar o país em 1786, só regressando à corte lisboeta em 1790.[3] Vai depois permanecer durante 6 anos à cabeça da secretaria da Academia das Ciências de Lisboa.[6] Em 1790, Correia da Serra organiza e custea um itinerário europeu de estudos para três jovens membros da Academia, dentre os quais se contavam os brasileiros Manuel Ferreira da Câmara e José Bonifácio de Andrade e Silva, os quais, anos mais tarde, inspirados pelas ideias iluministas com que contactaram pela Europa, viriam a desempenhar um relevante papel na independência do Brasil.[6]
Com efeito, José Bonifácio, muitos anos mais tarde, viria a substituir o Abade Correia da Serra como secretário da Academia das Ciências de Lisboa.[6]
Em Março de 1795, à custa da sua apologia pela causa jacobinista em França,[1] Correia da Serra vê-se confrontado com o sentimento reacionário, que se fazia sentir em Portugal, o que o impele, mais uma vez, a abandonar o país.[6] Parte então para o Reino Unido, onde permanece durante alguns anos, tendo ingressado na Royal Society e na Sociedade Linneana de Londres.[6]
Com efeito, é também importante salientar que, nesta viagem para Inglaterra, Correia da Serra foi acompanhado pelo girondino e cientista francês, Pierre Marie Auguste Broussonet.[6] O qual estivera homiziado nos aposentos da Academia de Ciências de Lisboa, por ser procurado em França.[8] À custa desta façanha, Correia da Serra esteve durante alguns anos desavindo, com o antigo patrono e amigo, o Duque de Lafões.[6]
Uma vez em Inglaterra, vai participar numa expedição botânica, com o presidente da Royal Society, Sir Joseph Banks, à costa de Licolnshire.[6]
Em 1801, dá-se um ponto de viragem na política portuguesa e Rodrigo de Sousa Coutinho, neto do Marquês de Pombal, torna-se secretário de estado dos negócios estrangeiros da coroa portuguesa, nomeando Correia da Serra como secretário da embaixada portuguesa em Londres.[9] Devido a divergências de opiniões políticas, Correia da Serra desentende-se com o embaixador português em Londres e vê-se obrigado a mudar-se para Paris.[9] Permanecerá em Paris até 1811, sendo que durante esses dez anos terá feito amizade e colaborado com os enciclopedistas franceses, com destaque para Antoine Laurent de Jussieu, Alexander von Humboldt e Georges Cuvier.[9] Com efeito, o próprio Diderot terá encomendado a Correia da Serra a redacção do artigo a respeito do terramoto de Lisboa, embora o mesmo não tenha sido concluído a tempo de constar da primeira edição da enciclopédia.[10]
Durante este período, apaixonou-se pela francesa Esther Delavigne, de quem teve um filho, Eduardo José, em 1803.[9]
Na pendência da terceira invasão napoleónica a Portugal, em 1811, Correia da Serra, conhecido pelas suas inclinações jacobinas, terá sido instado por Napoleão para redigir um documento em que justificava e apoiava a invasão.[11] Ao recusar, Correia da Serra, mais uma vez, viu-se obrigado a exilar-se por motivos políticos, desta vez, partindo rumo a Norfolk, no estado americano da Virgínia.[11] Em 1812, apresenta-se em Washington, com inúmeras cartas de recomendação, escritas por luminares franceses, com ascendentes sobre a política americana, dentre os quais se conta André Thouin e o Marquês de Lafaiete.[11] Porém, é em Filadélfia que se vai fixar, tornando-se ádito da American Philosophical Society.[11]
Graças à forte amizade e à mútua admiração mantida entre o Abade Correia da Serra e Thomas Jefferson, tornou-se uma visita habitual em Monticello, a residência palaciana da família Jefferson.[12]
Em Janeiro de 1816 foi nomeado primeiro ministro plenipotenciário do Reino Unido de Portugal e do Brasil nos Estados Unidos.[1]
Em 1820 voltou a Portugal, onde foi membro de um conselho financeiro[1] e, em 1822, foi eleito, por Évora, para ser deputado nas Cortes (Parlamento),[8] pese embora tenha falecido no ano seguinte, no dia 11 de Setembro.[13]
O abade Correia da Serra foi dos primeiros cientistas portugueses a introduzir em Portugal o prestígio necessário para que o aumento da actividade científica dentro do país se acentuasse.
Correia da Serra fez inúmeras investigações no ramo da Botânica e da Paleontologia, tendo na sua bibliografia publicações prestigiadas para a sua época, tais como Philosophical Transactions, da Royal Society, sociedade da qual era membro.[5] O método de anatomia comparada (aplicando termos de classificação da Zoologia para a Botânica) que Abade Serra adoptou, permitiu que este agrupasse plantas em famílias (logo foi uma das personagens que introduziu a sistemática nas plantas), trabalho que foi aprofundado mais tarde por Augustin Pyrame de Candolle.[5] Para além disso, Correia da Serra participou num dos mais relevantes estudos da época, com os seus trabalhos no ramo da Carpologia e da fisiologia vegetal, auxiliando no conhecimento das características funcionais e estruturais das plantas, e logo na sua classificação.[1]
Não desvalorizando os seus trabalhos nas áreas da Botânica, Zoologia e Geologia, o seu principal contributo para a Biologia (e todas as áreas científicas) em Portugal foi a fundação da Academia das Ciências de Lisboa, em conjunto com João Carlos de Bragança (2º Duque de Lafões).[1]
O Abade Correia da Serra ocupou o cargo de Secretário da Academia e, aplicando todo o conhecimento que possuía do exterior, auxiliou o país a desenvolver a investigação científica. Sem a sua intervenção, Portugal teria ficado um passo atrás da Europa no que diz respeito ao estímulo da mentalidade científica e à investigação científica por si própria.
Era ainda membro da Academia Real das Ciências da Suécia.
Embora mais conhecido como botânico, Correia da Serra contribuiu para a geologia e paleontologia. Enquanto estudava em Itália, apontou no seu diário (10 de abril de 1774) as observações de fósseis em Corneto (Tarquínia). A sua contribuição para a paleontologia em Portugal é residual, mas no manuscrito de 1784 sobre o “theatro” físico do Alentejo com a descrição dos solos e notas sobre a ocorrência ou não de fósseis, e que estes são indícios dos “antigos sucessos e revoluções da natureza”. Já em Inglaterra, Correia da Serra visitou a costa de Sutton-on-sea, em Lincolnshire, a 19 de setembro de 1796 com o famoso botânico Joseph Banks, fazendo observações sobre a existência de uma floresta holocénica fóssil na zona intertidal que reportou no artigo "On a Submarine Forest on the east Coast of England" publicado nas Philosophical Transactions of the Royal Society of London (1799). Neste artigo tenta explicar a existência dos fósseis de plantas (Ilex aquifolium, “Arundo phragmites” entre outras) abaixo do nível do mar, mostrando que estavam in situ e que não foram transportadas para aquele local. Recorre, ainda, à subsidência geológica para explicar a descida que aqueles estratos que formarem-se em topografias mais elevadas e favoráveis a florestas, estão agora abaixo do nível do mar. Estas observações e conclusões são acertadas, tendo em conta que a tectónica estava, então, nos seus primórdios. Igualmente de salientar é o estudo que publicou nas Transactions of the American Philosophical Society, em 1818, sobre as formações e solos do Kentucky, no qual menciona a existência de fósseis de conchas calcárias (p.176) e de vegetais que se transformaram em carvão (p.178). Relaciona estes dados com a fertilidade dos solos daquela região que considera o último dos depósitos de um mar interior em recuo. Ao seu pupilo Francis Walker Gilmer (1790-1826), Correia da Serra reconhece “I find that the study of fossil remains of plants is now become fashionable; discoveries will no doubt be made in this new career” (carta assinada em Philadelphia aos 6 de agosto de 1819). Correia da Serra é dos primeiros portugueses a usar o termo fósseis em detrimento de petrificações, à data mais em voga.[14]
Em 1801, foi nomeado secretário da embaixada portuguesa em Londres, mas uma discussão com o embaixador fê-lo passar para Paris (1802). Permaneceu em Paris durante onze anos.
Em 1813, deixou a Europa e partiu para Nova Iorque. As suas viagens levaram-no várias vezes a Monticello, casa do antigo presidente dos Estados Unidos Thomas Jefferson, onde as suas ideias e posições políticas tiveram grande acolhimento.[15][4] Com efeito, teria teorizado, juntamente com Jefferson, a criação de um chamado «sistema americano», uma espécie de aliança de interesses entre os Estados Unidos e o Brasil, sendo certo que essa proposta não colheu a mesma aceitação, por parte de outros políticos americanos, como John Adams, que a repudiou abertamente.[16]
Em 31 de Janeiro de 1816, foi nomeado como ministro plenipotenciário de Portugal (embaixador) em Washington, D.C., residindo em Filadélfia.[15][1]
Além da sua relação ilícita com Esther Delavigne, à qual, enquanto presbítero, estava proibido, o Abade Correia da Serra terá tido várias indiscrições românticas ao longo da vida.[9] Com efeito, algumas terão inclusive chegado a constar do «Livro dos Nefandos» da Inquisição de Lisboa.[17][18] Nesse registo, aparece acusado de quatro práticas de sodomia com uma mulher chamada Faustina, da praça das Flores, a qual, de acordo com o historiador David Higgs, se tratará provavelmente de uma prostituta.[18][9]
Correia da Serra encontrava-se, ainda, no mesmo registo inquisitorial, indiciado por cinco a seis ocorrências, que teriam decorrido entre 1792 e 1793, da prática de "actos imorais" com rapazes.[18][9] Com efeito, David Higgs menciona estes episódios como plausíveis exemplos de cripto-homossexualidade, na Lisboa do séc. XVIII.[18]