Música católica popular

A música católica popular, até meados do século XX chamada Cânticos espirituais, é um estilo musical de cunho religioso surgida na Antiguidade, que perpassou a Idade Média e está presente em todos os países de presença católica, em cada qual deles com suas peculiaridades e ritmos, mas que ganhou um ponto de inflexão a partir do Concílio Vaticano II.[1] Atualmente abrange uma ampla variedade de estilos de música usados tanto no serviço litúrgico quanto paralitúrgico da Igreja Católica, que cresceram antes e depois das reformas do Concílio Vaticano II. Se antes do Concílio os cantos eram majoritariamente inspirados no Cantochão e Canto Coral, depois baseou-se na música da moda, geralmente acústico e muitas vezes lento, com utilização de instrumentos musicais populares (violão, teclado, bateria, etc.), em vez dos tradicionais (órgão, cravo, rabeca, etc.), mas que evoluiu, a partir da década de 1980, para uma ampla gama contemporânea de gêneros musicais que refletem os estilos e aspectos da idade, cultura, moral, linguagem e ideologia dos criadores. Por isso há uma diferença marcante entre esse estilo e aqueles que eram comuns e valorizados em igrejas católicas antes do Vaticano II.

As pessoas sempre tiveram o costume de cantar de acordo com seu gênio, a índole do tempo e do seu povo. No Brasil não foi diferente. Quando em 1549 aportou ao Brasil seu primeiro bispo, D. Pedro Fernandes Sardinha, junto dele vieram os padres jesuítas, trazendo as melodias europeias e, em convívio com os índios, criaram também melodias novas para as letras de cantos católicos em língua vernácula (à época, se falava amplamente no Brasil o tupi-guarani), como auxílio para a fixação de conteúdo das verdades da Fé cristã. Por isso os historiadores concordam que foram as devoções e as catequeses que levaram os missionários a selecionar os cânticos, em latim ou em vulgar, de modo a servirem, tanto quanto possível, de padrões literário-musicais para amparo e fixação dos conceitos aprendidos no catecismo. Essa música popular católica, que estava na boca do povo, era chamada de Cânticos Espirituais (e assim continuou conhecida até meados do século XX) e eram amplamente usados nas funções paralitúrgicas, como os exercícios das Santas Missões, Novenas, Festa do Divino Espírito Santo, as Romarias, as Práticas Pias do Mês Mariano, Santíssimo Sacramento, mês de Nossa Senhora das Dores, mês de Nossa Senhora do Rosário, os Atos de reparação nas três Horas de Agonia e Hora da Tristeza, a recitação do Terço, devoções do Presépio, a Folia de Reis, as Festas juninas, as confraternizações aos santos, as procissões privadas de Penitência ou de Ação de Graças, antes e após as funções litúrgicas, na catequese, nas Irmandades, Confrarias e Ordens Terceiras, etc.

No entanto, a partir de 1757, com o Diretório dos Índios, o rei Dom José I, através de Marquês de Pombal, proibiu o uso e ensino da língua tupi no Brasil e instituiu a Língua portuguesa como única língua do país. Com isso os Cânticos Espirituais deixaram de ser executados em tupi e passaram a ser cantados em língua portuguesa e espalharam-se, assim, pelos quatros cantos da nação, nas práticas populares do povo católico, enquanto Hinos passaram também a serem vertidos na língua nacional, para as funções litúrgicas dentro do templo católico. Conforme observa o Historiador Evandro Faustino:

Com o tempo esse emaranhado de práticas particulares [do povo católico] foi se auto-organizando e salpicando as vastidões [do Brasil] Colônia com um sem-número de entidades formais como as Irmandades e Confrarias, e um número ainda maior de entidades informais mas muitíssimo atuantes como Reisados, Festas, Danças e Rezas. Essa “auto-organização” gerou ainda “ministros” que são leigos como os rezadores e os “beatos”, os benzedores e os eremitas, os festeiros e os cantadores. Edificou santuários, ergueu oratórios, plantou “Santas Cruzes”, construiu capelas, formou ermidas, criou romarias, congregou multidões. Disseminado pelo território, o Catolicismo Popular se tornou uma vastíssima floresta de devoções, um cipoal de práticas, um carrascal de normas e costumes não escritos nem codificados. (FAUSTINO, Evandro. O renitente catolicismo popular. Tese (Doutorado em História). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996, p. 339)

Ora, todo este Ethos forjou cantos religiosos que com o tempo foram se acumulando. Com o intuito de compilar esses cânticos, foram empreendidos vários esforços de edição. Um dos primeiros a correr no Brasil foi os Canticos christãos, ou os hymnos mais celebres do Officio Ecclesiatico, para uso popular, no ano 1800, trazendo junto uma carta do embaixador do Papa: "O Excellentiſſimo e Reverendiſſimo Senhor Nuncio Apoſtolico concede cem dias de Indulgencias todas as vezes, que qualquer fiel Chriſtaõ de hum, e outro ſexo devotamente fizer por eſpaço de hum quarto de hora a recitaçaõ deſtes Canticos Chriſtãos" (O Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Núncio Apostólico concede cem dias de Indulgências todas as vezes, que qualquer fiel Cristão de um e outro sexo devotamente fizer por espaço de quinze minutos a recitação destes Cânticos Cristãos).[2] A versão digitalizada pode ser vista e baixada no site da Biblioteca Nacional de Portugal.[3] Embora não fosse uma recolha de cantos do povo católico, o objetivo era contribuir com os cantos já em usos na língua pátria. Outras coletâneas foram editadas com a finalidade de recolher os cantos populares. Dentre elas se destaca a chamada Canticos espirituaes colligidos pelos padres da Congregação da Missão Brasileira impressos com a approvação do Ex.mo Sr. Bispo de Mariana, publicada na década de 1850, um acervo de 261 cânticos com textos adaptados de variadíssimas fontes mas cuja organização estrófica conserva intacto o prestígio das origens.[4]

Diversas coletâneas de Cânticos Espirituais se seguiram. Em 1898 o frei Pedro Sinzig sistematizou e publicou a coletânea Benedicite. Em 1910, em colaboração com o frei Basilio Röwer, editaram o famoso livro de música católica Cecília e depois ainda Hosana!. Outros membros da Igreja editaram Laudate (1922), Cantate Dominum canticum novum (1926), Cantai e Rezai! (1942), e em 1923 o padre João Batista Lehmann editou a mais famosa coleção de todas: a Harpa de Sião. Em Portugal (e nalgumas partes do Brasil) correram Lyra Sacra (1905), Coros Religiosos (1910), Cantai ao Senhor (1925) e Jubilate (1939), impressos em Lisboa; Saltério Eucarístico (1920), Ecos do Santuário (1931) e Súplicas ao Céu (1940), impressos em Braga; Cânticos para a bênção do Santíssimo (1935), Miscelânea Musical Religiosa (1937) e Lírios de Maio (1943), impressos no Porto, gozaram de ampla circulação antes do Vaticano II. Essas coletâneas estavam espalhadas por todo o Brasil, em todas as dioceses, paróquias e escolas católicas, e refletiam toda a alma devota do povo católico que professava sua fé através dos Cânticos Espirituais.

No entanto, o grande ponto de inflexão é o ano 1963, em pleno Aggiornamento, quando ocorre a primeira gravação a disco de música religiosa, agora já não mais chamada cânticos espirituais: as Missionárias de Jesus Crucificado lançam seu Missionárias em LP, uma produção totalmente autoral, sem gravar contudo nenhum cântico espiritual consagrado pela tradição católica. O projeto seguiu o ritmo da MPB e do movimento da Jovem Guarda da época. Em 1965 a Paulinas COMEP gravam, na voz de Wilma Camargo, compactos comemorativos para o Dia das Mães, Dia dos Pais, etc. Paulinas COMEP passa a gravar padres da en:Nouvelle théologie. Em 1967, Padre Irala grava e Padre Zezinho, vindo para o Brasil, também passa a gravar introduzindo instrumentos elétricos e abordagens modernas nas canções, sepultando definitivamente os tradicionais Cânticos Espirituais que forjaram a alma católica brasileira por mais de 200 anos.

No Brasil a música católica popular tradicional está restrita a locais de populações tradicionais, ou na cidade, a ambientes conservadores, tradicionalistas, ex-institutos Ecclesia Dei e sedevacantistas. A música católica popular contemporânea tem vitrine nos canais de televisão católicos.

Referências