Odudua

O ponto histórico onde Odudua, o lendário progenitor dos iorubás desembarcou através de uma corrente para encontrar Ilê-Ifé. Também é conhecido como seu lugar de descanso final

Odudua[1] (em iorubá: Odùduwà) é uma das divindades primordiais iorubás. Ela representa a divinização da terra e é considerada, ao lado de Obatalá (a representação divinizada do céu), como a casal primordial e propulsor da criação. Cada um foi incumbido de determinadas funções no papel da criação do Aiê, o universo incluindo o mundo em que vivemos. O universo é visto dentro do culto aos orixás como uma grande cabaça e esta cabaça é representada por Odudua e Obatalá. Odudua é considerada como a parte de baixo da cabaça e Obatalá é considerado como a parte de cima da cabaça.

O nome Odudua pode ser traduzido como "a cabaça de onde jorrou a vida". Muitos costumam se enganar e afirmar que Odudua seria um orixá masculino ao invés de feminino, mas o que ocorre é uma confusão entre a divindade feminina Odudua com o ancestral iorubá divinizado Odudua, que, na verdade, é considerado em território africano como sendo uma forma humana da deusa Odudua, ou seja, o guerreiro legendário e a deusa Odudua seriam as mesmas pessoas. Esta é uma visão muito ampla no que concerne à essência divina mas isso é algo que vai muito além da capacidade de aceitação de algumas pessoas e sacerdotes.

O surgimento de Odudua, bem como o de Obatalá, é muito interessante. Diz-se que involuntariamente nos primórdios da criação, quando a única coisa existente nos mundos era o Olorum, a grande energia primordial, Odudua, a deusa, surgiu do corpo de Olorum, a grande energia primordial, assim como Obatalá e outra tantas divindades.

Foi Odudua quem criou a terra e todo o universo como o conhecemos e, ao lado de Obatalá, possibilitou o surgimento da vida.

Segundo Pierre Verger (1982, pp. 3-10)[2] - (A cidade de) Ilê-Ifé, chamada de berço da civilização, [...] divinizou os fundadores da dinastia que nelas reinaram – Odudua [de Ifé] [...] foi o herói criador do mundo que chegou (Cf. em Barretti Fº, (2003) 2012 - "Os Àgbàgbà") do Além tendo recebido do Ser Supremo, Olodumarê, o saco da criação contendo uma substância escura, de natureza até então desconhecida. Essa substância, lançada sobre a superfície das primeiras águas, formou um montículo de terra sobre o qual pousou uma galinha com cinco dedos. A galinha começou a arranhar o monte com os pés e com o bico e espalhou a matéria que recobriu pouco a pouco as águas e formou a crosta terrestre, da qual Odudua, [...] se tornou senhor. (Cf. em Barretti Fº, (1984/2003) 2012 - "Ilê-Ifé a Origem do Mundo.")

Em Ifé, [o mito] se complica com uma rivalidade entre Obatalá (também chamado Orixalá), enviado por Olodumarê para criar o mundo e Odudua, que se aproveitou de um momento de intemperança de seu rival, o qual, tendo bebido em excesso vinho de palma quando estava a caminho para cumprir a sua tarefa, embriagou-se, caiu e adormeceu. Odudua, que vinha atrás, surrupiou o saco da criação e tornou-se assim, ele próprio e em seu lugar, o senhor do mundo (Cf. em Barretti Fº, (2003) 2012 - "Odùduwà – Óòni Ifè"). Mais tarde, quando se reencontraram, Odudua e Obatalá discutiram e lutaram ferozmente. Detalhes sobre esse assunto foram dados em outra obra (Verger, 1965: cap.II e III).

Essa lenda da criação do mundo por Odudua só se tornou conhecida do grande público e dos etnólogos em 1912. [...] (e) Foi preciso esperar até 1921 para que The History of the Yoruba fosse publicada pelo reverendo S. Johnson (Johnson, 1921), cujo manuscrito data de 1897.

  • A confusão criada pelo Padre Baudin

Falamos acima da criação do mundo por Odudua em Ifé e da rivalidade que o opôs a Obatalá (Orixalá), de quem roubou o saco da criação. Os nomes desses orixás aparecem impressos pela primeira vez, que eu saiba, em 1852, no vocabulário da língua iorubá de Crowther[3] (Cf. em Barretti Fº, (2003) 2012 - "Os Clérigos Nativos Yorùbá")

O autor indica em rubricas separadas, por um lado, que "Odua ou Odudua (Crowther, op.cit.: 207) é uma deusa de Ifé, tida como a suprema deusa do mundo" e acrescenta que "o céu e a terra são duas grandes cabaças (ele queria dizer meias cabaças, ibá), que, uma vez fechadas (ou mais precisamente, colocadas uma sobre a outra, formando um recipiente fechado), não podem ser abertas (separadas)". Afirma ainda que havia "uma alusão à aparente concavidade do céu, que parece tocar a terra no horizonte". Por outro lado, indica que "Obatalá (é) a grande deusa iorubá, a artesã do corpo da matriz" (ib.: 228). Ao mesmo tempo, Orixalá é indicado como sendo "a grande deusa Obatalá" (ib.: 223). Já assinalamos a tendência de Crowther a chamar os deuses de deusas, mas é evidente que nos encontramos na presença de duas divindades distintas: Odudua e Obatalá (Orixalá).

O padre Baudin[4] despoja em seguida Obatalá e Odudua de seu caráter hermafrodita para separá-los "em duas divindades perfeitamente distintas", que são então representadas separadamente: Obatalá sob a forma de um guerreiro e Odudua sob a forma de uma mulher amamentando uma criança.

  • Os compiladores e discípulos do padre Baudin.

O Tenente Coronel A. E. Ellis[5] publicou, por sua vez, em 1894, as mesmas divagações, cuidadosamente copiadas por ele do livro do padre Baudin, e, para melhor completar o sistema dualista do tema da falsa dupla Odudua-Obatalá e o tornar comparável à do Yang e do Yin chinês, não hesitou em aproximar a "deusa" Odudua de dudu (Ellis, 1894) negro em iorubá, para a opor a funfum (Cf. em Barretti Fº, (2003) 2012 - "Os Òrìṣà Funfun"), a cor branca de Obatalá. Mas o tenente-coronel britânico não levou em conta as diferenças de tons (de uma importância primordial em iorubá) existentes entre essas duas palavras.

Trata-se de um sistema dualista, mas correspondente, como vimos, ao casal Orixalá-Yemowo, visível sob a forma de estátuas instaladas lado a lado no ilésin, lugar de adoração do templo de Obatalá em Idetá-Ilé, no bairro Itapa em Ifé, (Cf. em Barretti Fº, (2003) 2012 - "No Templo de Ọbàtálá: Ìdèta-Ilé") muito diferente do casal Orixalá-Odudua que, unicamente para o padre Baudin e seus discípulos, seria constituído por dois elementos machos. A tradição de Ifé não deixa nenhuma dúvida sobre o caráter agressivo, hostil, antagônico, das relações existentes entre Orixalá e Odudua, que longe de uni-los num casal geneticamente estéril, os separa e os opõe como se depreende da história antiga do povo Iorubá.

[...] o nome Odudua também pode se referir ao guerreiro viril, vencedor dos ibos, fundador de Ifé, pai de numerosos reis (Cf. em Barretti Fº, (2003) 2012 - "As Esposas de Odùduwà" e "Descentes de Odùduwà: filhos e/ou netos")[6] e soberano de diversas regiões iorubás. Nesse caso se refere à uma figura masculina já em tempo posterior.

Tanto aspectos masculinos quanto femininos continuam sendo atribuídos à divindade em tradições iorubás, isso muito devido também ao próprio caráter geograficamente variado, além de miticamente alternante e indefinido de muitos orixás.[7] Isso leva a assumir, em alguns contextos, uma certa neutralidade de gênero ou androginia, como na habilidade de Odudua ser tanto marido quando esposa. Mas é fortemente associada ao materno, ao axé e ao útero.[8][9]

Referências

  1. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1986. p. 1 215.
  2. "Etnografia religiosa iorubá e probidade científica". Revista Religião e Sociedade, nº 8, pp. 3-10. Rio de Janeiro, ISER, Editora Cortez, 1982.
  3. Crowther, Samuel Ajayi. A vocabulary of the yoruba language, Londres, 1852.
  4. Baudin, Noel. Dictionnaire français-yoruba-français. Cotonou, 1967.
  5. Ellis, A.E. The yoruba speaking peoples. Londres, 1894.
  6. Barretti Filho, Aulo. IIê-Ifé: O Berço Religioso dos Yorùbá, de Odùduwà a Ṣàngó. In: Artigos & Textos. Internet, (2003) 2012.
  7. Peel, J. D. Y. (2002). «Gender in Yoruba Religious Change». Journal of Religion in Africa (2): 136–166. ISSN 0022-4200. Consultado em 31 de janeiro de 2024 
  8. Washington, Teresa N. (25 de fevereiro de 2014). The Architects of Existence: Aje in Yoruba Cosmology, Ontology, and Orature (em inglês). [S.l.]: Oya's Tornado 
  9. «Oduduwa, Locked in the Darkness, in a Calabash». A Dictionary of African Mythology (em inglês). Oxford Reference. doi:10.1093/oi/authority.20110803100245987 
  • Ojuade, J. 'Sina (1992) 'The issue of 'Oduduwa' in Yoruba genesis: the myths and realities', Transafrican Journal of History, 21, 139-158.
  • Obayemi, A. 1976. The Yoruba and Edo-speaking Peoples and their Neighbors before 1600 AD, in JFA Ajayi & M. Crowder (ed.), History of West Africa 1: 255-322

Ligações externas

[editar | editar código-fonte]
Ícone de esboço Este artigo sobre história ou um(a) historiador(a) é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.