A paleontologia dos invertebrados é um ramo da ciência que estuda os registros fósseis de invertebrados, associando biologia e geologia.
Acredita-se que a vida na Terra tenha surgido nos oceanos, logo que o planeta esfriou o bastante para suportar a forma estável dos primeiros organismos. Esses seres eram procariotos bastante simplistas e seus primeiros registros aparecem em icnofósseis de 3,8 bilhões de anos (Ga) (Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]). Quanto aos eucariotos, sugere-se que eles possam ter se originado a até 2,7 Ga, no fim do Éon Arqueano (4 Ga a 2,5 Ga), embora evidências fósseis remetam a, no máximo, 1,8 Ga, em meio ao Proterozóico (2,5 Ga a 535 Ma) (Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]; Fransozo, 2016[2]; Cohen et al, 2023[3]). Os primeiros registros fósseis de seres multicelulares são de algas de 1,2 Ga, mas evidências moleculares sugerem que a multicelularidade possa ter surgido a cerca de 1,5 Ga (Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]; Ridley, 2011[4]).
O grupo Metazoa é monofilético e se constitui de organismos multicelulares, heterotróficos, que possuem células funcionalmente especializadas, inclusive células gaméticas, e reprodução sexual por meiose (Ferreira Júnior; Paiva, 2010[5]; Hickman Jr., 2022[6]; Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]). Os animais do clado que não integram o subfilo Vertebrata são chamados de invertebrados e entre eles estão os grupos mais basais de metazoários. No registro fóssil, eles parecem surgir de forma abrubta, por vota do período Criogeniano (720 Ma a 635 Ma), sem transição evidente entre as formas simplistas dos protozoários e a organização complexa dos Metazoa (Fransozo, 2016[2]; Cohen et al, 2023[3]). Uma série de alterações ocorridas entre o Neopterozóico (1,0 Ga a 538 Ma) e o Cambriano (538 Ma a 485 Ma), como o aumento da concentração de oxigênio na Terra e do aporte de nutrientes e mudanças químicas nos oceanos, parece ter contribuído para o surgimento dos metazoários (Fransozo, 2016[2]; Cohen et al, 2023[3]).
Os registros fósseis mais bem aceitos dos primeiros animais datam de cerca de 600 Ma, embora estudos moleculares estimem a origem dos Metazoa entre 875 e 650 Ma e icnofósseis suguram que eles podem ter surgido a até 1,0 Ga, começando aí seu processo de diversificação, mas não deixando registros fósseis diretos nos primeiros 400 Ma de sua existência (Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]; Pechenik, 2016[7]). Isso pode ter ocorrido, em parte, devido à ausência de partes duras biomineralizadas na maioria dos primeiros animais ou difícil identificação e/ou conservação destas, além dos pequenos tamanhos corporais desses invertebrados (Pechenik, 2016[7]). A presença de um crânio e do esqueleto calcificado (ou mesmo cartilaginoso), favorece alguns processos de fossilização, enquanto na maioria dos invertebrados, especialmente os mais basais, a predominância de partes moles dificulta que o registro fóssil se forme e resista ao tempo. Nesse sentido, os integrantes do grupo com maior probabilidade de deixar impressões são aqueles que possuem estruturas compostas por substâncias minerais, como o esqueleto interno dos poríferos, alguns cnidários sésseis, as conchas dos moluscos, dentes, estruturas quitinosas de artrópodes, entre outros.
Embora hajam hipóteses de fósseis animais com quase 900 Ma, o fóssil animal bem aceito como mais antigo conhecido é Otávia antiqua, uma espécie de porífero encontrada em rochas do Criogeniano datadas entre 760 Ma e 550 Ma do Grupo Otávio, no norte da Namimbia (Fransozo, 2016[2]). Outros fósseis de espongiários datados entre 710 Ma e 635 Ma são encontrados na Austrália e quimiofósseis com bioindicadores de carbono evidenciam os primeiros recifes, no período Criogeniano, formados por esponjas (Fransozo, 2016[2]). Icnofósseis de escavações em rochas de 1,0 Ga sugerem a existência de animais vermiformes em um registro ainda mais antigo do período de divergência dos grupos básicos de metazoários (Fransozo, 2016[2]; Pechenik, 2016[7]).
Os registros mais bem conhecidos de fósseis animais mais antigos datam do período Cambriano (538 Ma a 485 Ma) e muito se fala em "Explosão Cambriana" para referir-se à grande diversidade de grupos e morfologias que parecem surgir repentinamente no registro fóssil desse período. Atualmente, compreende-se que que no período Ediacarano (635 Ma a 538 Ma), imediatamente anterior ao cambriano, já havia uma biota de invertebrados marinhos bem desenvolvida e distribuída por todo o planeta (Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]; Cohen et al, 2023[3]). Os animais desse período, em sua maioria, eram pequenos e não possuíam partes duras e os representantes presentes na assembleia fóssil são principalmente grupos de corpo mole, como medusas, vermes e mesmo animais que posteriormente apresentariam estruturas rígidas (Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]; Ridley, 2011[4]; Pechenik, 2016[7]). Assim, são poucos os fósseis encontrados desse período, embora algumas estruturas quitinosas e mineralizadas tenham se desenvolvido nessa época, como peças dentárias, tubos quitinosos, rádulas e espículas (Fransozo, 2016[2]; Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]). No fim do Ediacarano, já haviam surgido os primeiros seres com partes duras biomineralizadas e os diversos planos corporais que acompanhariam os animais ao longo de sua existência (Fransozo, 2016[2]).
Acredita-se que a biota ediacarana era composta por animais de relativa complexidade, embora sua estrutura fosse rudimentar comparada a dos descendentes encontrados no Cambriano, assim como as relações ecológicas entre os grupos (Brusca; Moore; Suster, 2018[1]; Fransozo, 2016[2]). Encontra-se na fauna do período as primeiras evidências de alguns fios modernos, ou, ao menos, seres semelhantes, possivelmente ancestrais (Brusca; Moore; Shuster, 2018). Supostos representantes primitivos de poríferos, cnidários, moluscos, anelídeos, antozoários e talvez até onicóforos, artrópodes e echinodermatas são registrados na biota de Ediacara (Brusca; Moore; Shuster, 2018; Fransozo, 2016).
Os primeiros fósseis ediacaranos foram encontrados em 1872, na ilha de Terra Nova, Canadá e correspondiam a impressões discoides deixadas por Aspidella terranovica, embora sua natureza orgânica seja atualmente questionada (Fransozo, 2016[2]). Posteriormente, em 1933 foram encontradas na Namíbia impressões de um animal de corpo mole com tegumento espesso (Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]; Fransozo, 2016[2]). A maioria dos organismos ediacaranos fossilizados são preservados em impressões de deposições de arenito (Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]) e estão associadas a eventos de alta energia, embora muitos estejam associados a microbialitos (rochas provenientes da ação cimentadora de secreções de colônias de microrganismos) e rochas carbonárias (Fransozo, 2016[2]).
Após as descobertas iniciais, vários fósseis de invertebrados descobertos foram datados do período Ediacarano. A esponja Eocyathispongia qiania, de 600 Ma, da Formação Doushantuo, na província de Guizhou, China (Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]) é um dos poríferos que compunha a fauna da época. Também um suposto embrião na fase de 32 células data desse período (600 Ma), embora hajam controvérsias em torno da natureza do registro (Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]). Os fósseis corpóreos mais antigos de cnidários são datados entre 600 Ma e 570 Ma e são atribuídos a pólipos de antozoários (Fransozo, 2016[2]). A origem dos bilatérios é estimada por volta desse período, sendo o suposto representante mais antigo a espécie Vernanimalcula guizhouena, de 600 Ma (Fransozo, 2016[2]). Além desse, aparentes escavações de um bilatério vermiforme, possivelmente com patas e presumidos embriões de 585 Ma e 570 Ma, respectivamente, são datados desse período (Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]; Fransozo, 2016[2]).
A biota ediacarana constitui a primeira irradiação adaptativa dos metazoários (Fransozo, 2016[2]) e representa os primeiros fósseis conhecidos de invertebrados. Próximo à transição para o Cambriano, surge a predação e acelera-se o processo de desenvolvimento e diversificação das estruturas corporais e relações ecológicas desses animais (Brusca; Moore; Shuster, 2018[1]; Fransozo, 2016[2]), mas eles aparentemente foram extintos de forma repentina no final do seu período. Alguns dos organismos do período sobreviveram e adentraram o Cambriano, antes de serem extintos como os outros representantes da fauna (Ridley, 2011[4]). Aparentemente, não foram preservadas evidências da transição entre a biota de Ediacara e os animais cambrianos, sendo o relacionamento entre eles incerto e há dificuldade em detectar homologias entre eles e os invertebrados atuais (Pechenik, 2016[7]; Fransozo, 2016[2]). Apesar de semelhantes aos filos que permeariam o Cambriano e se difundiriam até os dias atuais a relação dos grupos ediacaranos com seus descendentes não é bem compreendida.