Uma pronúncia ortográfica é a pronúncia de uma palavra de acordo com a grafia dela, quando esta difere de um padrão de longa data ou de uma pronúncia tradicional.[1][2][3][4] Em algumas línguas, palavras que são escritas com letras que nunca foram pronunciadas ou que não foram pronunciadas durante muitas gerações ou mesmo durante centenas de anos têm sido cada vez mais pronunciadas como escritas, especialmente desde a chegada da escolaridade obrigatória e da alfabetização universal.
Um número grande de pronúncias ortográficas facilmente perceptíveis ocorre apenas em línguas como o francês e o inglês, nas quais a ortografia tende a não indicar a pronúncia atual. Como todas as línguas têm pelo menos algumas palavras que não são escritas como pronunciadas, as pronúncias ortográficas podem surgir em todas as línguas. Isso é, claro, especialmente verdadeiro para pessoas que são ensinadas apenas a ler e escrever e que não são ensinadas quando a ortografia indica uma pronúncia desatualizada (ou etimologicamente incorreta). Em outras palavras, quando muitas pessoas não entendem claramente de onde veio a ortografia e o que ela é (uma ferramenta para registrar a fala, não o contrário), as pronúncias ortográficas são comuns.
Por outro lado, as pronúncias ortográficas também são evidências dos efeitos recíprocos da linguagem falada e escrita uma sobre a outra.[5] Muitas grafias representam formas mais antigas e pronúncias mais antigas correspondentes. Algumas grafias, no entanto, não são etimologicamente corretas.
Os falantes de uma língua frequentemente privilegiam a grafia das palavras em detrimento da pronúncia comum, levando a uma preferência ou prestígio pela pronúncia ortográfica, com a língua escrita afetando e mudando a língua falada. Podem então surgir pronúncias semelhantes a pronúncias mais antigas ou que podem até ser pronúncias completamente novas que são sugeridas pela grafia, mas nunca ocorreram antes.[6]
Se a grafia de uma palavra foi padronizada antes das mudanças sonoras que produziram a pronúncia tradicional dela, a pronúncia ortográfica pode refletir uma pronúncia ainda mais antiga. É o caso de muitas palavras inglesas com letras silenciosas (por exemplo, often [7]), embora não todas, letras silenciosas são por vezes adicionadas por razões etimológicas, para reflectir a grafia de uma palavra na língua de origem dela (por exemplo, victual, rimando com little, [8] [9] mas derivado do latim tardio victualia). Algumas letras silenciosas foram acrescentadas com base em etimologias errôneas, como nos casos das palavras inglesas island [10] e scythe. Casos de pseudoetimologia não são comuns em português.
Há línguas em que pronúncias ortográficas são frequentemente desencorajadas prescritivamente e percebidas como incorretas em comparação com a pronúncia tradicionalmente aceita e geralmente mais difundida. Se uma pronúncia ortográfica persistir e se tornar mais comum, ela poderá eventualmente juntar-se à forma existente como uma variante padrão, ou mesmo tornar-se a pronúncia dominante.
- No finlandês padrão, o som /d/ se desenvolveu como uma pronúncia ortográfica para a letra d, embora originalmente representasse um som /ð/. Da mesma forma, /ts/ em palavras como metsä (floresta) é uma pronúncia ortográfica de tz usada na ortografia anterior a 1770, que originalmente representava um som /θ/ longo. As fricativas dentais tornaram-se raras na década de 1700, quando as pronúncias padrão começaram a se desenvolver nas formas atuais delas, que se tornaram oficiais na década de 1800. O som /d/, no entanto, não está presente na maioria dos dialetos e é geralmente substituído por um /r/ , /l/ ou simplesmente eliminado (por exemplo, lähde "fonte de água" pode ser pronunciado como lähre, lähle ou lähe ). O /ts/ padrão é frequentemente substituído por /tt/ ou /ht/ ( mettä, mehtä).[11][12]
- Palavras terminadas em -il, como péril (perigo), agora são pronunciadas com um som l final /pe.ʁil/, mas originalmente esta grafia representava um l silencioso: /pe.ʁi(j)/.[13]
- A pronúncia moderna do autor francês do século XVI Montaigne como [mɔ̃tɛɲ], em vez do contemporâneo [mɔ̃taɲ], é uma pronúncia ortográfica.
- O substantivo kiln (forno) era originalmente pronunciado kil com o n silencioso, como é referenciado no Dicionário Webster de 1828.[14] Do English Words as Spoken and Written for Upper Grades por James A. Bowen 1900: "O dígrafo ln, n silencioso, ocorre em kiln. Uma queda no kiln pode matar você."
- O sobrenome de Sir George Everest é pronunciado /ˈiːvɹɪst/.[15] A montanha que leva o nome dele – o Monte Everest – é geralmente pronunciada /ˈɛvəɹɪst/.[16]
- As palavras Arctic, Antarctic, e Antarctica, (respectivamente Ártico, Antártico/a e Antártida) foram originalmente pronunciadas sem o primeiro /k/, mas a pronúncia ortográfica tornou-se muito comum. O primeiro c foi originalmente adicionado à grafia por razões etimológicas e foi então mal interpretado como não sendo silencioso.[17]
- O substantivo hotel, originalmente pronunciado /oʊˈtɛl/ por causa da pronúncia do francês hôtel, agora é geralmente pronunciado /hoʊˈtɛl/ com um h audível.[18] No entanto, maître d'hôtel é pronunciado /ˌmeɪtrədoʊˈtɛl/.[19]
- O substantivo herb (erva), uma palavra com origem no francês antigo, é geralmente pronunciada com h silencioso nos Estados Unidos. O mesmo acontecia no Reino Unido até o século XIX, quando foi adotada uma pronúncia ortográfica, com h audível.[20]
- O nome Ralph é tradicionalmente pronunciado na Inglaterra como /ɹeɪf/ - assim é pronunciado, por exemplo, Ralph Fiennes ou Ralph Vaughan Williams - mas hoje a pronúncia ortográfica /ɹælf/ é mais comum.[21]
- Alguns nomes originalmente escoceses que hoje são escritos com -z- também são frequentemente pronunciados com /z/. Originalmente, no entanto, este ⟨z⟩ representa um yogh, uma forma mais antiga de g, como em ⟨Menȝies⟩, tornando nomes como Mackenzie e Menzies tradicionalmente pronunciados MacKengyee /məˈkɛŋjiː/ e Mingiz /ˈmɪŋɪz/ respectivamente.[22]
- A palavra often ("frequentemente") perdeu o som [t] dela na pronúncia no século XVI passou a ser pronunciado como se fosse escrita offen /ˈɔfən/, mas hoje é lida por muitos com som [t]. Compare, por exemplo, a pronúncia de soften /ˈsɔfən/ e listen /ˈlɪsən/ sem o som [t] e onde a pronúncia ortográfica geralmente não ocorre.[23]
A língua chinesa tem um fenômeno semelhante chamado youbian dubian, onde caracteres desconhecidos podem ser lidos com a pronúncia de caracteres semelhantes que apresentam o mesmo componente fonético.[24]
- O caractere 町 raramente é usado em chinês, mas é frequentemente usado em topônimos japoneses (onde é pronunciado chō). Quando lido em chinês mandarim, passou a ser pronunciado dīng [tiŋ˥] (como em 西門町, romanizado Ximending, um distrito em Taipei cujo nome foi dado durante a ocupação japonesa) em analogia com o caractere 丁 (também pronunciado dīng), embora o reflexo etimológico esperado dele seja tǐng [tʰiŋ˨˩˦].
- O -n final de uma palavra, seja ela um verbo, um plural ou qualquer outra, não precisa ser pronunciado se precedido por uma vogal xevá [ə]. Sob influência da ortografia, às vezes há uma tendência a pronunciar todas as desinências -n.[25]
Um caso marcante de pronúncia ortográfica em português é o da letra M nas palavras uma, alguma e nenhuma, que originalmente formava um dígrafo com a letra U para representar a vogal nasal /ũ/ tal qual ocorre nas formas masculinas um, algum e nenhum, mas depois passou a ser pronunciada como a consoante /m/ em grande parte dos dialetos, embora alguns ainda mantenham a pronúncia original.
- Muitas palavras suecas com os encontros -ts- e -ds- tiveram uma pronúncia assimilada como -ss-, mas hoje às vezes são pronunciadas com um som de t ou d audível, por exemplo matsäck, midsommar, skjuts, Vadstena, låtsas. Em alguns casos, a pronúncia com -ss- é menos comum hoje, por exemplo em båtsman, båtshake, plats, trots, mas Bellman rima, por exemplo, trotsar com blossar em Fredmans epistel n:o 39.[26]
- As palavras kyrka (igreja) e byxor (calças) costumavam ser pronunciadas anteriormente com som vocálico [ø], como se fossem escritas körka e böxer, mas a pronúncia ortográfica com o som vocálico [y] é agora a mais comum.[27][28]
Referências