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Comarca | ||||
Praia de Berria, Santoña | ||||
Símbolos | ||||
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Gentílico | trasmerano, -na | |||
Localização | ||||
Mapa da comarca na Cantábria | ||||
Localização de Trasmiera na Espanha | ||||
Coordenadas | 43° 24′ 40″ N, 3° 36′ 33″ O | |||
País | Espanha | |||
Comunidade autónoma | Cantábria | |||
Província | Cantábria | |||
Características geográficas | ||||
Área total | 558 km² | |||
População total (2021) [1] | 62 178 hab. | |||
Densidade | 111,4 hab./km² | |||
Outras informações | ||||
Nº de municípios | 19 |
Trasmiera, também conhecida como merindade de Trasmiera e historicamente como Tresmiera[a][b][c] é uma das comarca históricas do norte de Espanha, na província e comunidade autónoma da Cantábria. Tem 558 km² de área e em 2021 tinha 62 178 habitantes.[1] Situa-se a leste do rio Miera e estende-se até ao rio Asón [es]; na costa estende-se pelas baías de Santander de Santoña [es], ocupando uma grande parte do litoral oriental da Cantábria. A costa nessa área caracteriza-se pelas suas falésias e belas praias, como as de Langre [es], Loredo [es], Isla [es], as de Noja e a de Berria [es]. No interior a comarca tem extensos prados, instalações hoteleiras e parques de campismo.
A comarca não tem atualmente estatuto administrativo, pois apesar de já existir uma lei para a divisão em comarcas da Cantábria desde 1999, esta ainda não foi regulamentada.[5]
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Os vestígios mais antigos conhecidos da região são da Pré-história e encontram-se nas cavernas de Puente Viesgo, Santoña, Miera e La Garma [es] (em Omoño [es], Ribamontán al Monte). Os vestígios da presença romana são escassos, exceto na baía de Santoña, pois a romanização da zona foi pouco relevante. Em contrapartida, a cultura dos povos cântabros persistiu até ao final do Reino Visigótico (418–711 d.C.).
Entre os séculos VIII e X teve lugar um processo de repovoamento, o que indica que a região estaria praticamente desabitada. O rei Afonso I das Astúrias (r. 739–757), duque da Cantábria, mandou repovoar o que agora se conhece como Comarca de Trasmiera, onde havia muito poucos núcleos humanos. O repovoamento foi feito seguindo o costuma da época, patrocinando a fundação de pequenos mosteiros, em volta dos quais se foram estabelendo assentamentos de famílias vizinhas transumantes que se organizaram em aldeias, que deram origem a muitas das povoações atuais. Aos monges era oferecida a propriedade (a chamada presúria) de terras sem uso na condição de as cultivarem. Os mosteiros de repovoamento mais antigos foram os de São Vicente de Fístoles (em Esles [es], Santa María de Cayón) e Santa Maria de Puerto [es] em Santoña. Este último teve um amplo domínio jurisdicional que durou até ao século XVI, mas a partir do século XI, uma ordem real obrigou-o a depender do Mosteiro de Nájera [es], na Rioja e assim se manteve até ao século XIX, quando a desamortização extinguiu os mosteiros.
Nos documentos do século IX a comarca aparece como delimitação geográfica e administrativa. Esta delimitação contribuiu para que ao longo dos séculos se tenham podido conservar muitos costumes e atividades ancestrais. Uma das atividades mais curiosas é o uso de moinhos de maré, que funcionaram até há pouco tempo; na localidade de Isla (município de Arnuero).
Historicamente a Cruz de Somarriba [es], na localidade homónima do município de Liérganes, marcava o limite ocidental de Trasmiera com o território das Astúrias de Santillana [es]. Considera-se que a cruz marca a divisória entre a Cantábria oriental (que começa em Trasmiera) e a Cantábria ocidental.[6]
Trasmiera aparece citada na crónica de Afonso III das Astúrias (866–910), escrita no século IX, e foi vinculada ao Condado de Castela no século seguinte.[7] A partir do século XIII a demarcação foi estabelecida com entidade administrativa por ordem real. Em finais do século XIV registaram-se na região numerosos episódios das guerras de bandos [es], provocadas pelas diversas famílias que compunham a estrutura senhorial da Cantábria em disputa pela ampliação dos seus domínios. Em Trasmiera a guerra foi protagonizada pelo enfrentamento entre a família Giles de Solórzano, apoiada pelos Velasco [es], e a família Negretes de Agüero (Marina de Cudeyo).
O rei era representado na região por um merino (meirinho) que no início era um membro da Casa de Lara, originária da província de Burgos; passado algum tempo, os merinos passaram a ser escolhidos entre as famílias autóctones da comarca. Regida pelos seus "concelhos de homens de behetría [es]",[d] a comarca conseguiu livrar-se do imposto da alcavala [es] no século XV. Os Reis Católicos (r. 1474–1504) ajudaram a consolidar a estrutura interna em juntas — Cudeyo, Ribamontán, Siete Villas, Cesto e Voto, a que depois se juntaram, mediante carta de irmandade, as vilas de Santoña e Escalante, assim como o lugar de Argoños em 1579. Cada junta construiu a sua casa de audiência e cadeia, ao passo que as juntas gerais da merindade eram realizadas em Hoz de Anero (Ribamontán al Monte), que era a capital da merindade. Até à criação dos ayuntamientos (municípios) constitucionais, em 1834, a merindade gozou de consideráveis isenções fiscais, um alto grau de autogoverno e isenções militares para fins de autodefesa.[e]
Município | Área (km²) |
População (2021)[1] |
Densidade (hab./km²) |
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Argoños | 5,5 | 1 834 | 333,5 |
Arnuero | 24,7 | 2 144 | 86,8 |
Bárcena de Cicero | 36,7 | 4 399 | 119,9 |
Bareyo | 32,4 | 2 129 | 65,7 |
Entrambasaguas | 43,2 | 5 357 | 124 |
Escalante | 19,1 | 762 | 39,9 |
Hazas de Cesto | 21,9 | 1 644 | 75,1 |
Liérganes | 36,7 | 2 403 | 65,5 |
Marina de Cudeyo | 28,4 | 5 186 | 182,6 |
Medio Cudeyo | 26,8 | 7 606 | 283,8 |
Meruelo | 16,4 | 2 174 | 132,6 |
Miera | 33,8 | 386 | 11,4 |
Noja | 9,2 | 2 650 | 288 |
Ribamontán al Mar | 36,9 | 4 629 | 125,4 |
Ribamontán al Monte | 42,2 | 2 382 | 56,4 |
Riotuerto | 30,5 | 1 645 | 53,9 |
Santoña | 11,5 | 11 011 | 957,5 |
Solórzano | 23,5 | 1 048 | 44,6 |
Voto | 77,7 | 2 789 | 35,9 |
Ao longo de séculos houve vários ofícios artísticos nos quais ganharam grande fama muitos naturais de Trasmiera tiveram muita fama, nomeadamente os mestres de obras os artesãos de retábulos e de sinos.
A fama dos mestres canteiros de Trasmiera remonta à Idade Média e praticamente não há catedral ou grande monumento em Espanha no qual não tenham trabalhado mestres trasmeranos.[10] O ofício de canteiro na região tinha tradicionalmente uma boa formação e era conhecido fora da comarca. Durante os séculos XV a XVIII deu-se o grande apogeu da construção em Espanha, Portugal e nas suas colónias americanas e muitos canteiros trasmeranos trabalharam em grandes obras, como o Mosteiro do Escorial,[f] a Catedral de Siguença e vários grandes monumentos da Galiza, mas deixaram muito poucas marcas na Cantábria.
Sabe-se que no início do século XII numerosos pedreiros de Trasmiera foram chamados para trabalhar na construção das muralhas de Ávila. A partir do século XV há registo de que trabalhavam em toda a Castela e tinham cargos de responsabilidade. Isso levou-os a criar um grémio, uma associação fechada e esotérica na qual comunicavam por meio de um jargão especial que só eles conheciam, chamada pantoja [es].[11]
O ofício era transmitido de pais para filhos, proporcionando a estes últimos uma aprendizagem especial que lhes permitia serem mestres e dirigir obras de catedrais antes dos 30 anos. Os contratos eram temporários e sazonais. A emigração ocorria geralmente em março, para regressar no inverno. Os canteiros mais famosos e mais solicitados por vezes estavam anos fora das suas terras e só regressavam para casar ou para administrar as suas propriedades e às vezes para fazer o testamento. Mesmo quando estavam muitos anos fora de casa, não perdiam a condição de vizinhos do local de origem. Os seus apelidos quase sempre refletiam o lugar de procedência. Alguns destes pedreiros chegaram a obter o estatuto de fidalgos, com as suas próprias armas heráldicas outorgadas pelo rei, e em alguns casos ocuparam cargos públicos.[carece de fontes] O sobrenome da família nobre Cantera (pedreira em castelhano) tem origem em Trasmiera, devido à existência de numerosas pedreiras das quais se extraía pedra que era levada para Bilbau e que também era usada para edificações em Somo (Ribamontán al Mar), Pedreña (Marina de Cudeyo) e outros locais.[11]
A conceção e construção de retábulos foi outro ofício tradicional da Cantábria em geral e de Trasmiera em particular. A talha em madeira foi muito apreciada durante a Idade Média e Renascimento e depois do Concílio de Trento (1563), que promoveu o culto das imagens e dos retábulos, surgiram na região várias oficinas especializadas. A atividade teve o seu apogeu no século XVII, uma época sobre a qual há extensa documentação.
Alguns retabulistas, como Simón de Bueras, Juan de Alvarado [es] e Bartolomé de la Cruz alcançaram grande prestígio, nomeadamente na Rioja, Castela e País Basco. Os chamados "Mestres das Sete Vilas" (em redor da baía de Santoña) foram os que tiveram mais contacto com as oficinas castelhanas. Muitos desses retabulistas eram arquitetos consumados e tinham oficinas onde trabalhavam os talhadores, carpinteiros, assembladores, douradores e toda uma série de artesãos especializados necessários para a construção de retábulos de alta qualidade. Estas oficinas trabalhavam com escultores, pintores e outros artistas.
Alguns dos ofícios indispensáveis nas oficinas de retábulos eram o mestre arquiteto, que organizava a estrutura e fazia o desenho; o mestre entalhador, que se encarregava dos motivos decorativos; o mestre carpinteiro; o mestre escultor; os mestres pintores, que se ocupavam da policromia; e os mestres douradores, que se ocupavam do douramento e dos estofados. Além dos mestres, nas oficinas havia também aprendizes e oficiais (operários). Durante os primeiros cinco anos o mestre ensinava o aprendiz, alimentava-o e dava-lhe sapatos. Se o aprendiz quisesse continuar como oficial, passava pelo menos mais cinco anos até alcançar um nível no ofício que lhe permitia tornar-se independente estabelendo-se por conta própria.
O mestres retabulistas trasmeranos foram muito influenciados pelo romanismo [es] de Miguel ângelo e dos seus seguidores, muito em voga na primeira fase da Contrarreforma (século XVI). As imagens são muito realistas e expressivas, deixando muito patente o sofrimento dos santos e mártires. O expoente máximo desta corrente é o basco Juan de Ancheta [es], discípulo de Juan de Juni. O estilo dos mestres escultores foi evoluindo e em meados do século XVI deixam-se influenciar pela corrente do galego Gregorio Fernández. As oficinas dos retabulistas imitam e difundem as novas modas até que os gostos vão mudando e no final do século as imagens vão sendo gradualmente suprimidas e a os retábulos passam a ter outro tipo de decoração.
O fabrico de sinos na Cantábria é uma tradição que remonta à Idade Média. A comarca de Trasmiera foi o berço de prestigiados fundidores de sinos,[13] cuja fama ultrapassou as fronteiras de Espanha, tendo sido contratados em várias partes da Europa e da América. O ofício desenvolveu-se sobretudo na Junta das Sete Vilas, formada pelas localidades de Bareyo, Ajo (Bareyo), Güemes (Bareyo), Arnuero, Castillo (Arnuero), Isla (Arnuero), Soano (Arnuero), Meruelo e Noja, onde houve numerosas oficinas de sinos. O conhecimento foi transmitido de pais para filhos ao longo dos séculos, tendo-se constituído linhagens de mestres sineiros.[10]
A importância dos mestres sineiros cântabros foi tal que diversos estudiosos assinalam que não há catedral, basílica ou igreja em Espanha que não tenha tido nos seus campanários a marca de um fundidor cântabro.[10] No México e no Peru há várias catedrais com sinos fabricados por mestres trasmeranos. Em 1797 foi fundido um sino para a Catedral de Lima que se chama "A Cantábria",[14] o que reflete a importância dos seus artesãos e do seu lugar de procedência.[carece de fontes] Em 1753 foi fabricado por mestres de Arnuero para a Catedral de Toledo[15] aquele que é considerado o maior sino de Espanha, com 14,4 toneladas,[16] que demorou dois anos a ser fabricado. Diz-se que quando tocou pela primeira vez os vidros da cidade partiram-se[15] e as grávidas abortaram com o susto,[carece de fontes] o que levou a que fosse perfurado para amortecer o volume das suas badaladas.[15] Quando os príncipes das Astúrias se casaram, o presente oficial da Cantábria aos foi o sino "Virgem Bem Aparecida", com 1,6 toneladas, fundido em Gajano (Marina de Cudeyo)[17] por dois dos últimos herdeiros da tradição sineira trasmerana, os irmãos Portilla.[18]