Les 36 situations dramatiques (em português, As 36 situações dramáticas) é o título de um ensaio e de uma teoria sobre poética teatral proposta pelo escritor francês Georges Polti em 1895 e segundo a qual, na cena teatral, só são possíveis 36 situações elementares, fundamentais ou básicas. Os trabalhos de Polti inspiram-se em obras de Carlo Gozzi (1720-1806) e de Goethe (1749-1832).[1]p.7 [2] A crítica contemporânea considera o trabalho de Polti como à frente de sua época ou "protoestruturalista".[3] [4]
Polti analisou textos gregos, além de obras francesas clássicas e contemporâneas. Ele também analisou um grupo de autores não franceses. Na introdução do seu livro, Polti afirma estar dando continuidade ao trabalho de Carlo Gozzi, que também identificou as 36 situações.
A teoria de Polti inspirou notadamente os manifestos do Oulipo[5] e o trabalho de Étienne Souriau, mas este último, em sua obra Les Deux cent mille situations dramatiques[6], confunde deliberadamente uma situação dramática (que, de acordo com Polti, se desenvolve em várias ações) com as ações que a constituem. Para Souriau, abrir uma porta e fechá-la novamente, por exemplo, são duas situações dramáticas (e não duas ações constitutivas de uma mesma situação dramática).
A roteirista e ensaísta Marie-France Briselance adaptou o tema do livro de Polti à escrita de roteiros para o cinema. Em Leçons de scénario - Les 36 situations dramatiques (2006) [7], ela analisa as situações tal como podem ser encontradas no cinema ou na televisão, usando exemplos de filmes antigos e recentes. Em sua opinião, uma situação dramática deve estar vinculada a um ou mais personagens, sendo até mesmo inseparável deles, tanto quanto os personagens são inseparáveis da situação:
"Situações dramáticas não devem ser confundidas com eixos dramáticos, temas ou assuntos, porque situações não se referem à história, mas sempre aos personagens (...) O qualificativo 'dramático' levou a muitos mal-entendidos, ao ser aplicado não aos personagens e seus arquétipos, mas às ações. Situações dramáticas não são ações; perseguir uma carruagem não é uma situação dramática, é uma ação. Mas o personagem que está no interior da carruagem e tenta escapar pode ser perseguido por um homem que quer vingar a esposa e o filho assassinados e que está sofrendo uma dor tão violenta que somente a realização da vingança o ajudará a superar a provação do luto. Envenenar o gato do vizinho que você odeia é uma peripécia, mas odiar sua mãe a ponto de matá-la é uma situação dramática." [7] p.16
- Súplica. Um personagem em perigo implora a um poderoso ignorante que o livre de uma situação de perigo ou perseguição.
- Liberação. Um personagem se propõe a salvar um outro ou vários outros.
- Vingança de um crime. Um personagem vinga o crime de outro personagem, castigando-o. Exemplo: O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas e Auguste Maquet.
- Vingança intrafamiliar. O parente culpado e os parentes vingativos entram em conflito, como no Hamlet de Shakespeare .
- Perseguição. Um personagem foge para salvar sua vida ou evitar uma punição injusta. Exemplo: Les Misérables, de Victor Hugo.
- Desastre. Um desastre acontece ou acontecerá, como resultado das ações de um personagem.
- Infortúnio ou desgraça. Um personagem sofre grandes perdas ou cai em desgraça. Exemplo: a figura bíblica de Jó
- Rebelião ou revolta. Um personagem se rebela contra uma autoridade superior que exerce o poder de maneira cruel ou injusta. Exemplo: Júlio César de Shakespeare.
- Empreendimento audacioso. Um personagem ousa tentar conseguir um objeto inatingível e se transforma em herói, ao vencer um adversário e dele tomar o objeto. Exemplo: O Senhor dos Anéis, de Tolkien, e a Demanda do Santo Graal.
- Rapto ou sequestro. Um personagem sequestra outro, tirando-o do seu tutor, mas este, afinal, consegue resgatá-lo e é transformado em herói. Exemplo: Helena de Tróia.
- Resolução de um enigma. Um personagem tenta resolver um problema, combinando logicamente os dados que coleta ou que são fornecidos por outro personagem. Exemplos: Édipo e a Esfinge; o personagem Sherlock Holmes.
- Obtenção ou conquista. Um personagem principal tenta apoderar-se de algo muito valioso, que outros também desejam, instaurando-se uma querela. Exemplo: o pomo da discórdia.
- Inimizade ou ódio entre parentes. Dois parentes que se odeiam conspiram juntos. Exemplo: As You Like It, de Shakespeare.
- Rivalidade entre parentes. Um personagem quer atingir a situação invejável de seu parente. Exemplo: Wuthering Heights, de Emily Brontë.
- Adultério homicida. Dois adúlteros conspiram para matar o cônjuge traído. Exemplos: Clitemnestra, Egisto e Double Indemnity (filme de Billy Wilder, 1944).
- Loucura. Um louco comete crimes. Exemplo: The Shining, novela de Stephen King.
- Imprudência fatal. Um personagem, por negligência ou ignorância, comete um erro fatal. Exemplo: They Died with Their Boots On (1941), filme de Raoul Walsh.
- Incesto involuntário. Amores transgressivos entre familiares não reconhecidos. Exemplo: Édipo e Jocasta.
- Assassinato de um parente não reconhecido. Um personagem mata alguém sem saber que era seu parente. Edipo e Laio, por exemplo.
- Sacrifício por um ideal. Um personagem oferece sua vida por um ideal.
- Sacrifício pela família. Um personagem sacrifica uma pessoa ou coisa pela família.
- Sacrifício por uma paixão. Um personagem apaixonado sacrifica uma pessoa ou coisa em favor do objeto de sua paixão, que logo se perde para sempre.
- Necessidade de sacrificar os seus, em nome do dever. Um personagem prejudica um ente querido por um ideal superior.
- Rivalidade entre inferior e superior ou competição desigual. Um rival superior mais forte, mais apto ou com mais recursos vence um rival inferior e consegue obter o objeto da rivalidade.
- Engano ou adultério. Dois adúlteros conspiram contra um cônjuge enganado.
- Crimes de amor. Um amante e sua amada rompem um tabu ao iniciar uma relação romântica. Exemplo: de Siegmund, sua irmã gêmea Signy (ou Sieglinde) concebe incestuosamente o herói Siegfried, em A Valquíria, de Richard Wagner.
- Descobrimento da desonra de um ente querido. O descobridor revela o ato reprovável cometido pelo culpado.
- Amores frustrados por causa externa. Dois amantes se defrontam com um obstáculo externo. Exemplo: Romeu e Julieta de Shakespeare, cujo amor é obstaculizado pela família e pela sociedade.
- Amar o inimigo. O personagem que ama e o personagem que odeia o inimigo ou inimiga, embora aliados, têm atitudes diametralmente opostas em relação ao inimigo ou inimiga.
- Ambição. Uma pessoa ambiciosa busca o objeto que cobiça, e um adversário se opõe. Exemplo: Macbeth de Shakespeare. O anti-herói dispõe-se a fazer qualquer coisa para satisfazer sua ambição, inclusive aviltar-se.
- Conflito com um deus. Um personagem está disposto a enfrentar um deus ou a Deus para satisfazer sua ambição, instaurando-se um conflito. Exemplos: Atena e Aracne; Prometeu; Jacó e o Anjo.
- Ciúmes equivocados. Desprezo e ciúme levam um personagem a cometer atos lamentáveis. Exemplo: Otelo, de Shakespeare.
- Erro judicial. Um personagem é injustamente acusado de cometer um delito, por um personagem que se equivoca e que é vítima do verdadeiro autor do erro.
- Remorso. Consumido pela culpa, um personagem se atormenta.
- Reencontro com alguém perdido. Depois de uma longa ausência, os personagens se reencontram ou se reconhecem. Exemplo: [[[Un long dimanche de fiançailles (filme)|Un long dimanche de fiançailles]], filme de Jean-Pierre Jeunet.
- Luto por um ente querido. Um assassinato é presenciado por um parente da vítima.
Referências
- ↑ Georges Polti, Les 36 situations dramatiques. Paris: Mercure de France, 1912 (reedição).
- ↑ Figgis, Mike (maio de 2017). «Introduction». The Thirty-Six Dramatic Situations. [S.l.]: Faber and Faber. ISBN 9780571305056
- ↑ Cf. Modern theories of drama: A selection of writings on drama and theatre, 1850—1990. Ed. by George W. Brandt — Oxford University Press, 1998, p. 12.
- ↑ Schmidt, Victoria Lynn (2005). «Part 3: Adding Stories». Story Structure Architect. Cincinnati, Ohio: Writer's Digest Books. ISBN 9781582976990. Consultado em 14 de julho de 2023
- ↑ «Georges Polti, ou l'anticipation du théâtre potentiel». cairn.info (em francês). 16 de novembro de 2014
- ↑ Étienne Souriau, Les Deux cent mille situations dramatiques, Flammarion, Collection Bibliothèque d'Esthétique, 1950, 286 páginas, ASIN B0016VHC3U
- ↑ a b Marie-France Briselance (2006). Leçons de scénario - Les 36 situations dramatiques. Paris: Nouveau Monde. ISBN 2-84736-180-4