Actinomycetota ou Actinobacteria (do grego “aktis”, traço e “mykes”, fungo), é um filo de bactériasgram-positivas, conhecidas também como actinomicetos ou actinobactérias. Estas bactérias são constituídas por micélios, com organização filamentosa, muitas vezes ramificada.[4] Dada sua semelhança com fungos e por produzirem, como estes, cadeias de esporos semelhantes a conídios, os Actinomicetos são com frequência erroneamente classificados como tais. Nesse sentido, a organização filamentosa ramificada é semelhante à hifa fúngica, porém mais estreita,[5] com diâmetro de 0,5 a 1,0 µm e, fisiologicamente, se assemelha às bactérias.[6] Além disso, ao contrário dos fungos, as actinobacterias são organismos procarióticos e, em sua grande maioria, aeróbios.[7]
Além disso, esses tipos de bactérias compartilham duas características: todas são gram-positivas e apresentam alta razão de G+C (guanina/citosina) em seu DNA, podendo exceder 70% do total de bases nucleotídeas, variando de 51% em Corynebacterias a mais de 70% em Streptomyces e Frankias.[8]
As actinobactérias podem ser autótrofas, heterótrofas, fototróficas ou quimiotróficas. A maior parte dos organismos que compõem esse grupo é aeróbia, mas existem organismos que podem ser anaeróbios ou anaeróbios facultativos.[8][9]
Essas bactérias podem se reproduzir por esporos, esporangiósporos ou conidiósporos. Os esporos, produzidos em grande número, são a principal forma de multiplicação, sendo que cada esporo tem capacidade de germinação e crescimento, de forma que proporciona o surgimento de um novo organismo. Os esporangiósporos e os conidiósporos auxiliam na sobrevivência das espécies durante a estiagem. Outras espécies, como Nocardia, reproduzem-se por fragmentação das hifas em células baciliformes e cocoides, cada uma capaz de gerar um novo micélio.[10]
Em relação ao requerimento de oxigênio, as actinobactérias são principalmente aeróbias. No entanto, a grande parte já descrita desses organismos é quimioheterotrófica e neutrófila. Devido à produção de uma variedade de enzimas extracelulares, possuem uma grande versatilidade metabólica. Este fato permite o consumo de múltiplas fontes de carbono e de nitrogênio e sobrevivência sob um vasto número de substratos.[11][12][13] Essas proteínas favorecem ainda o crescimento primário, facilitação de interações estreitas com outros organismos e geração de metabólitos secundários.[14]
A formação de estruturas filamentosas (hifas) e de esporos acarretou na classificação inicial como fungos. Logo, desde a sua primeira descrição no final do século XIX e por um longo período, as actinobacterias foram consideradas exóticas por apresentarem características típicas de fungos filamentosos e de bactérias.[15][16] Porém, estudos realizados a partir da década de 1950 possibilitaram um melhor conhecimento das suas estruturas genéticas e das composições químicas celulares. Estes estudos confirmaram sua natureza procariótica retirando-os completamente do Reino Fungi.[15][17]
Apesar de partilharem uma parte do seu ciclo de vida com esses eucariotos, a verificação de sua suscetibilidade a agentes antibacterianos e a ausência de membrana nuclear, evidenciaram que os actinomicetos estavam mais próximos dos procariotos, o que incitou investigações mais apuradas. Foram encontradas várias características que esses microorganismos compartilhavam com as bactérias, como a presença de peptideoglicano na parede celular, que explica a vulnerabilidade aos antibióticos efetivos frente a gram-positivos; a síntese de lisina via ácido diaminopimélico (DAP); a inexistência de esteróis; quando presente, flagelo tipicamente bacteriano; o diâmetro pequeno da hifa e a sensibilidade a fagos.[4][18][17]
A confusão inicial de identidade desse filo de bacteria refletiu intensamente na sua posição taxonômica. Desde os primeiros relatos como patógenos de animais até o começo da ampla exploração como produtores de substâncias antibióticas, uma vasta quantidade de denominações e de descrições com sobreposições foi gerada, tornando insatisfatória a sua classificação. A grande variedade morfológica desses procariotos e a falta de um consenso quanto aos critérios taxonômicos que deveriam ser aplicados são utilizados para justificar essa desordem inicial na sistemática desses microorganismos, que eram essencialmente agrupados considerando-se os aspectos morfológicos e certas propriedades fisiológicas.[19][20][21]
Um fator importante comum encontrado nesse grupo é a variabilidade de características genéticas, por exemplo, a formação de micélio aéreo, a pigmentação, a esporulação, a resistência à antibióticos e os agentes genotóxicos, como a irradiação ultra vermelha assim como a produção de antibióticos.[5] Por isso, agrupar taxonomicamente este grupo é uma atividade complexa, exigindo a utilização de métodos que levem em conta diversas características fisiológicas e morfológicas. A aplicação do conhecimento dos componentes químicos celulares e o emprego dessas características em classificação e identificação de organismos, a quimiotaxonomia, contribuiu significativamente para a sistemática das actinobactérias. A associação dessa abordagem com a taxonomia numérica, isto é, a ordenação dos microorganismos descritos em grupos homogêneos utilizando um enorme conjunto de dados fenotípicos, evidenciou a heterogeneidade dos gêneros já conhecidos.[22][21][23] Entretanto, ainda não era simples aprofundar a classificação a níveis menores, como espécie e subespécie, bem como esclarecer a filogenia desses procariotos. Dessa forma, a sistemática molecular, a utilização de métodos de análises de ácidos nucleicos na ciência da classificação biológica, possibilitou a reconstrução das relações evolutivas entre os organismos nos mais diferentes graus na hierarquia taxonômica e em validar e/ou complementar o que já havia sido estruturado pelas outras estratégias.[24][18]
Nas últimas décadas, o uso integrado dos caracteres genotípicos e fenotípicos derivados por essas abordagens, a taxonomia polifásica, é adotada difusamente na classificação de organismos procarióticos, fornecendo, por meio da escolha de critérios que auxiliem na ampliação da qualidade dos dados gerados, o estabelecimento de nomenclatura estável e identificação mais segura. A melhora no caso de táxons completos, baseada em forma e função, é claramente evidente para as actinobactérias, em que as avaliações quimiotaxonômicas, estudos de filogenia gerados pela determinação das sequências da menor subunidade (16S) do rRNA (ácido ribonucleico) e em hibridizações de ácidos nucleicos revolucionaram a forma como novos isolados são classificados a nível de gênero e espécie.[25][21]
Com base nas árvores filogenéticas geradas a partir das análises dos segmentos gênicos do 16S rRNA, esses procariotos pertencem ao filo Actinobacteria, uma das principais e mais antigas linhagens dentro do Domínio Bacteria. [18] De acordo com a mais recente atualização, o filo engloba 6 classes (Actinobacteria, Acidimicrobiia, Coriobacteriia, Nitriliruptorales, Rubrobacteria e Thermoleophilia), mais de 67 famílias, 29 ordens, 391 gêneros e milhares de espécies.[26]
A morfologia dos microorganismos desse imenso filo é variável. Podem-se notar formas como a cocoide (Micrococcus), cocobacilar (Arthrobacter), aquelas em que ocorre fragmentação da hifa (Nocardia spp.), e outras que podem ser altamente diferenciadas em um micélio ramificado (Streptomyces), contudo que podem não formar uma porção aérea (Actinoplanes).[10]
De modo abrangente, as actinobactérias apresentam organização celular procariótica típica, constituindo-se de uma região nuclear fibrilar e um citoplasma granuloso com ribossomos de até 12 nm de diâmetro, podendo ainda comportar uma multiplicidade de inclusões, dependendo do organismo, do tempo de crescimento e do meio de cultivo utilizado. A parede celular (10 a 20 nm de espessura) é geralmente composta por uma rígida matriz de peptideoglicano com um ou mais polímeros associados. Além disso, a membrana plasmática (7 a 10 nm de espessura) possui a bicamada fosfolipídica com proteínas intercaladas.[27][28]
As actinobactérias constituem um grupo bem-sucedido de organismos quanto ao habitat, ocorrendo em uma multiplicidade de ambientes, tanto naturais quanto nos modificados pela ação humana. Estão extensivamente distribuídas no solo e em outros ambientes terrestres. A maioria das espécies é saprofítica, contudo existem aquelas que formam associações mutualísticas e parasíticas com outros organismos.[29][30] Assim, diferentes estilos de vida podem ser encontrados, incluindo habitantes do solo (Streptomyces spp.), comensais de plantas (Leifsonia spp.), simbiontes fixadores de nitrogênio (Frankia), residentes do trato gastrintestinal (Bifidobacterium spp.) e patógenos (Mycobacterium spp., Nocardia spp., Tropheryma spp., Corynebacterium spp., Propionibacterium spp.).[10]
No solo: papel na reciclagem e mineralização de compostos. São comumente vistos como os microorganismos mais ativos nos estágios tardios da decomposição de plantas e outros materiais, participando decisivamente da degradação de polímeros complexos e relativamente recalcitrantes, como queratina e quitina. Essa capacidade deve-se à produção de um repertório de complexos enzimáticos liberados em consequência de variados estímulos ambientais. Também têm sido associadas com a síntese e degradação de compostos húmicos, além de responderem à presença de poluentes e outras substâncias que não são naturais (inseticidas, pesticidas e herbicidas). Adicionalmente, são fundamentais na rizosfera, por estarem inclusos na população microbiana simbiótica que cresce em associação próxima com as plantas e devido à supressão do crescimento de patógenos de raízes, por meio da antibiose.[29][31][32][33] Os representantes do gênero Frankia vivem em simbiose com as raízes de plantas superiores (por exemplo, da Casuarina sp.), onde levam à formação de nódulos, no interior dos quais ocorre fixação de nitrogênio.[7] No processo de compostagem, as actinobactérias, principalmente o gênero Streptomyces, atuam na degradação de moléculas complexas, tais como celulose, lignocelulose, xilana e lignina, abundantes na biomassa vegetal.[34][35] O produto final da compostagem pode ser utilizado na produção de cogumelos comestíveis, como fertilizante para agricultura, cultivo de vegetação em acostamentos de estradas, como biofiltros e na biorremediação.[36] Estes microrganismos também decompõem restos animais e vegetais resultando em substâncias húmicas que em conjunto com outros materiais da decomposição, promoverão a agregação de partículas primárias e à formação de agregados do solo.[37] Além disso, as actinobactérias possuem grande potencial como agente de controle biológico de fitopatógenos, pois ao se associarem à planta hospedeira, produzem antibióticos, sideróforos e enzimas com ação antimicrobiana.[38]
No petróleo: em casos de derramamento do óleo no meio ambiente, as actinobaterias atuam na degradação do petróleo, por meio da decomposição das substâncias orgânicas e redução da toxicidade no ambiente contaminado.[39] Desta forma, a composição do óleo é alterada pela ação microbiota de acordo com o potencial diversificado dos gêneros, tais como, Pseudomonas, Rhodococcus e Streptomyces que utilizam a cadeia de alcanos e através da β-oxidação dos compostos aromáticos produzem lipídios com diferentes complexidades e funções.[40][41]
Na indústria e economia: produtos naturais provenientes das actinobactérias são fontes de moléculas bioativas com grande potencial para o desenvolvimento de produtos na indústria farmacêutica, incluindo aqueles utilizados ensaios clínicos para o tratamento do câncer.[42] Os microrganismos sintetizam diversas substâncias químicas para a produção de antibióticos, imunossupressores, anticancerígenos, agentes redutores de colesterol, entre outros.[43] Em seres humanos, essas bactérias também foram descritas como agentes potenciais na ação contra diversos tipos de microrganismos patogênicos.[44] Após a descoberta da actinomicina por Wasksman e Woodruff em 1940, membros da ordem Actinomycetales, tornaram-se uma das principais fontes de antibióticos tais como antraciclinas, cloranfenicol e tetraciclinas.[45][46] Os representantes do gênero Streptomyces produzem importantes antibióticos, como a estreptomicina, sintetizada por S. griseus, a clorotetraciclina, sintetizada por S. aureofaciens, a terramicina, sintetizada por S. rimosus, entre muitos outros. Mais de oitenta antibióticos já foram obtidos de espécies do gênero Streptomyces.
No organismo: muitos Actinomicetos causam graves moléstias no homem e nos animais. Entre os patógenos, podemos mencionar o Mycobacterium tuberculosis, causador de tuberculose e o Mycobacterium leprae, causador da lepra. No gado, a actinomicose é causada por Actinomyces bovis.[7] Outros exemplos de Actinobactérias úteis ao homem são os representantes do gênero Bifidobacterium. Outro agravo à saúde pode ser causado pela bactéria Actinomyces israelii, que resulta em uma infecção gengivas, tonsilas e dentes, sendo mais conhecida como Actinomicose. Habitantes normais do microbiota do trato gastrointestinal, estas bactérias imóveis e anaeróbicas desempenham papel fundamental na regulação da atividade intestinal normal, principalmente em lactentes.[7]
↑Goodfellow M (2012). «Phylum XXVI. Actinobacteria phyl. nov.». In: Goodfellow M, Kämpfer P, Trujillo ME, Suzuki K, Ludwig W, Whitman WB. Bergey's Manual of Systematic Bacteriology. 5 2nd ed. New York, NY: Springer. pp. 33–34
↑ abCorrea, Ana Clara; Garcia dos Reis Nunes, Gustavo; da S. Paiva, Larissa; Cerceau, Renato; Manuel Serra da Cruz, Sergio (24 de outubro de 2018). «FarmaJusta: Dados Abertos Como Suporte à Saúde Pública». Sociedade Brasileira de Computação - SBC. Anais da V Escola Regional de Sistemas de Informação do Rio de Janeiro. doi:10.5753/ersirj.2018.4649